ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 1 de 14
REQUERENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
JOSE GERALDO RIVA
DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos,
Pedido de Homologação de Acordo de Colaboração Premiada firmado
entre o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, representado por seus membros Domingos
Sávio de Barros Arruda [Procurador de Justiça e Coordenador do NACO Criminal], Ana Cristina
Bardusco Silva [Procuradora de Justiça e Coordenadora do GAECO], Márcia Borges Silva
Campos Furlan [Promotora de Justiça e Coordenadora do Núcleo de Defesa da Administração
Pública e Ordem Tributária], Roberto Aparecido Turim [Promotor de Justiça e Coordenador do
Núcleo de Defesa e Proteção do Patrimônio Público e Probidade Administrativa], Gustavo
Dantas Ferraz e Mauro Zaque de Jesus [Promotores de Justiça do NDPPPA], e JOSÉ
GERALDO RIVA, representado pelos advogados Almino Afonso Fernandes (OAB/MT
3.498/B) e Gustavo Lisboa Fernandes (OAB/DF 41.233), firmado em 18.12.2019.
O pedido foi apresentado ao i. Presidente deste e. Tribunal, Des. Carlos
Alberto Alves da Rocha, na data de 19.12.2019, consoante Termo de Recebimento (fls. 279-TJ),
e processado no Órgão Especial, em razão da delação de supostos autores com foro por
prerrogativa de função, acompanhado de 57 (cinquenta e sete) anexos lavrados e identificados
contendo documentos em meio físico e audiovisual, a procuração “ad judicia et extra”
outorgada, especialmente para representar o outorgante perante o Ministério Público do Estado
de Mato Grosso, visando a celebração de Acordo de Colaboração Premiada, na forma da Lei nº
12.850/2013, e certidões cíveis e criminais sobre ações e inquéritos abrangidos pelo acordo de
colaboração premida em exame.
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 2 de 14
Sustentam os requerentes : 1) a competência deste e. Tribunal e do seu
Órgão Especial para processamento do termo de colaboração premiada; 2) a espontaneidade do
colaborador em formalizar o acordo; 3) que os termos do acordo foram definidos após
considerações sobre a “repercussão dos fatos ne tratados e sua afetação nas finanças públicas;
a possibilidade de se apurar com maior verticalidade tudo o que foi narrado pelo colaborador,
individualizando, ao depois, a conduta de cada envolvido e, também, viabilizando a estimativa
do quantum dos valores desviados”; 4) que os núcleos das revelações estariam concentrados em
reiterados casos de desvio de receita pública, realizados por agentes lotados no Poder Executivo
e na mesa Diretora da ALMT, objeto das apurações em curso tanto na esfera criminal como no
âmbito civil.
Pedem que “seja conferido ao Sr. JOSÉ GERALDO RIVA o tratamento
no artigo 5º, inciso I a VI da Lei nº 12.850/2013, mantendo-se o sigilo do conteúdo de suas
declarações”; “promova a oitiva do COLABORADOR, na forma do artigo 40, § 7°, da Lei n°
12.850/2013”; “a homologação do presente Termo de Colaboração Premiada, a fim de que
produza todos os efeitos jurídicos e legais perante qualquer Juízo ou Tribunal nacional, com
esteio na Lei n° 12.850/2013”; “a juntada em cada anexo de uma cópia do Termo de
Colaboração Premiada e respectiva homologação para posterior autuação no órgão
jurisdicional competente e apensamento nas respectivas ações penais e/ou investigações”; “o
encaminhamento dos anexos 13 e 33 à Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso e dos
demais na forma apresentada na planilha que acompanha este petitório” (fls. 2/13-TJ), instruído
com 57 (cinquenta e sete) caixas box (mantidas nas dependências do MPMT até deliberação do
Relator), planilha elaborada com base nos anexos apresentados pelo colaborador (fls. 33/97-TJ),
procuração ad judicia et extra (fls.98-TJ), relação dos bens e direitos do colaborador/família (fls.
99/103-TJ e fls. 105/107-TJ), relação de dívidas e ônus reais (fls. 104-TJ), certidão de “processos
em andamento e arquivados” em primeiro grau de jurisdição (fls. 108/231-TJ), certidão de
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 3 de 14
processos cíveis e criminais em tramitação em segundo grau de jurisdição (fls. 232/251-TJ),
certidões relativas à instauração de inquérito policial perante a Delegacia Especializada de
Crimes Fazendários e Administração Pública (fls. 252/255-TJ) e certidão referente a
procedimentos instaurados na área criminal do MPMT (fls. 256/277-TJ), bem como pen drive
contendo documentos em meio físico e audiovisual (fls. 278-TJ).
No dia 21.1.2020, os autos foram distribuídos a este magistrado por força
de prevenção para julgamento da Operação denominada Arca de Noé (AP nº 77342/2018 e
outras) e condição funcional de integrante do Órgão Especial (fls. 280-TJ).
Em 7.2.2020, designada audiência de conformidade para definição
acerca da aplicação da Lei nº 12.850/2013 ou da Lei nº 13.964/2019, presentes os Procuradores
de Justiça Domingos Sávio de Barros Arruda, Ana Cristina Bardusco Silva e Roberto Aparecido
Turim e os advogados do colaborador, Dr. Almino Afonso Fernandes, OAB/MT 3.498/B, e Dr.
Gustavo Lisboa Fernandes, OAB/DF 41.233, resultaram definidos a aplicação híbrida da Lei nº
12.850/2013 (retroação das disposições de direito material e aplicação imediata das regras
processuais), por aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica e imediata da lei
nova (Lei nº 13.964/2019) para as disposições processuais; igualmente o julgamento monocrático
da homologação, adotando-se posição da corrente majoritária do e. STF sobre o tema e por
absoluta conveniência de sigilo sobre os fatos a serem ainda investigados e medidas judiciais a
serem tomadas (fls. 284/285-TJ).
Realizada em 10.2.2020 a audiência para ratificação de voluntariedade
do colaborador, presentes seus advogados, Dr. Almino Afonso Fernandes, OAB/MT 3.498/B, e
Dr. Gustavo Lisboa Fernandes, OAB/DF 41.233, e o Procurador-Geral de Justiça, Dr. José
Antônio Borges Pereira, na qualidade de custos legis, por interpretação sistemática ao disposto
no art. 257, II do CPP, foi ouvido JOSÉ GERALDO RIVA, o qual afirmou não ter sofrido
qualquer ameaça ou coação para firmar o termo de acordo de colaboração; admitiu
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 4 de 14
voluntariedade; explicou os motivos/contextos/conclusões das tratativas, justificou seu propósito
e o compromisso de revelar a verdade, incluindo novo fato não constante do acordo, a ser
submetido aos órgãos do Ministério Público Estadual para ser acrescentado, objeto de ofício
requisitório a ser elaborado e encaminhado ao Núcleo de Defesa e Proteção ao Patrimônio
Público e da Probidade Administrativa [NDPPPA]. Consignou-se a possibilidade tanto de
retratação do requerente JOSÉ GERALDO RIVA e como de revogação do acordo, na hipótese
de descumprimento de qualquer das cláusulas, especialmente o dever de corroboração dos fatos
e proibição de reserva mental; registrou-se que os benefícios do acordo, o prêmio, a redução da
pena tal como estipulada, definição do regime, recuperação total ou parcial do produto ou
proveito das infrações, e adequação dos fatos revelados aos termos da Lei nº 12.850/2013 seriam
enfrentados na decisão homologatória; ressalvou-se de análise do conteúdo de cada anexo, em
decisões individualizadas sobre fato ou conjuntos de fatos conexos, observadas as novas
diretrizes da Lei nº 13.964/2019 [que fortaleceu o princípio do sistema acusatório e consolidou a
não persecução penal], notadamente os §§ 3º e 4º do art. 3º-C previstos na Lei nº 12.850/2013
[§ 3º – no acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos
para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados e § 4º incumbe
ao delator instruir a proposta de colaboração e os anexos com os fatos adequadamente descritos,
com todas as suas circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração],
relacionando, ainda, hipóteses de extinção da punibilidade e falta de justa causa para instauração
de persecução penal, com ciência expressa do órgãos do Ministério Público Estadual que
coordenam os núcleos criminais [NACO e GAECO] e de proteção e defesa do patrimônio público
[NDPPPA]. No ato, foi concedida a palavra aos advogados do colaborador, sendo esclarecido
que a proposta de acordo submetida ao STF não foi homologada em virtude de ajuizamento de
ação penal, no curso das tratativas, a qual foi posteriormente trancada pelo TRF1; que inexistem
pessoas citadas com foro de prerrogativa de função, nas datas dos fatos revelados, a atrair
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 5 de 14
competência dos Tribunais Superiores; que o único fato de competência da Justiça Federal não
foi incluído no acordo; que os patrimônios do colaborador/familiares foram apresentados para
assegurar o ressarcimento de danos e multa (fls. 287/289-TJ).
Relatos.
O Termo de Colaboração Premiada apresentado para homologação
possui as seguintes cláusulas:
TEXTO SUPRIMIDO POR FORÇA DO § 3º DO ART.7º DA LEI
Nº 12.850/2013
Pois bem.
O conteúdo da colaboração envolve supostas condutas ilícitas atribuídas
a ex-parlamentares e gestores, ocupantes de mandatos e cargos públicos e servidores públicos,
além de empresários e pessoas jurídicas, que formaram quadrilha, posteriormente associação e
aparente organização criminosa ao longo de mais de duas décadas, institucionalizando a
corrupção nos poderes Legislativo e Executivo, a ponto de alcançar, em tese, membros do Poder
Judiciário, em que pese as inafastáveis garantias do contraditório e da ampla defesa, em processos
administrativos e judiciais, na forma da lei.
O histórico de fatos políticos e administrativos, por si, invoca a aplicação
do instituto da colaboração premiada, seja para necessária reversão das práticas políticas
instaladas e desenvolvidas no âmbito dos poderes políticos no Estado de Mato Grosso, de modo
a restaurar o interesse público primário e resgatar os primados da lei e da ordem, seja para revisar
biografias de homens/mulheres públicos (as) ou que se apresentam com status de idoneidade
moral e respeitabilidade social ao relacionarem-se, de algum modo, com governadores,
parlamentes e secretários de Estado.
A revelação de fatos deve ser admitida para restabelecimento da verdade,
embora muitas vezes tenha carga equiparada à “traição” e impunidade, com delatores vilanizados
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 6 de 14
tal como Silvério dos Reis [delatou os inconfidentes mineiros à Coroa Portuguesa em troca de
não ser processado, da sustação de suas dívidas, da liberação das suas fazendas, preferência de
seus créditos e ressarcimento dos prejuízos experimentados], segundo memória de Paulo
Eduardo Razuk (A primeira delação premiada no Brasil. Disponível em: www.migalhas.com.br.
Acesso em 14.2.2020).
Isso porque a Justiça, última arena declaratória dos fatos típicos e
juridicamente relevantes, não pode negar conhecimento às versões dolosamente escondidas ou
deliberadamente ocultadas para preservar interesses pessoais que caracterizam ilícitos, em
detrimento do interesse público primário e também do interesse social.
A relevância do conteúdo delatado deve ser retratada pela historiografia
ao discorrer sobre o poder político no Estado de Mato Grosso, nos últimos 20 (vinte) anos, na
esperança que eduque e conscientize a população mato-grossense, especialmente os jovens!
A propósito, merece recordação o pensamento de vanguarda do
desembargador e cofundador da Academia Mato-grossense de Letras José de Mesquita: “para
ser Governo há que trilhar os caminhos do direito, sob pena de ser apenas um simulacro de
autoridade” (Espírito mato-grossense. Cultura Política, Revista: Ano I, Num. 9, 10 nov. 1941,
p. 55/61).
Noutro giro, identifica-se aplicação de direito intertemporal, pois a
colaboração envolve fatos ocorridos em época que não havia proibição ou limites de delação, de
modo a avocar incidência das leis 9.034/95 e 9.807/99.
Por sua vez, o c. STF tem entendido que, por se tratar de um meio de
obtenção de prova (Lei nº 12.850/2013, art. 3º, I), a homologação caberá ao tribunal competente
para a respectiva ação penal, quando houver notícia de crimes praticados por titular de
prerrogativa de foro, sob pena de usurpação de competência (Pet 7320 – Relator: Min. Edson
Fachin – 9.4.2018).
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 7 de 14
Da mesma forma, firmou-se entendimento no sentido de que o foro por
prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e
relacionados às funções desempenhadas (STF, QO/AP nº 937 – Relator: Min. Roberto Barroso
– 31.12.2018; STJ, Sd nº 000706 – Relator: Min. Raul Araújo – 1º.10.2018).
As referências de fatos ilícitos atribuídos a autoridades públicas que
detém cargo ou mandato eletivo com prerrogativa de foro ocorreram em períodos anteriores e
não estão relacionadas às funções correlatas, a elidir qualquer óbice jurídico para persecução
criminal ou de improbidade administrativa (STF, AP 937-QO – Relator: Min. Roberto Barroso –
8.5.2018).
Excluído fato de competência da Justiça Federal (Cláusula 3ª, § 1º) e
ressalvada possível identificação de competência da Justiça Eleitoral, nos momentos de
recebimento de ação penal ou civil pública, reconhece-se a competência deste e. Tribunal para
processamento do presente termo de acordo, no Órgão Especial (RITJMT, arts. 15, I, ‘a’).
Frise-se, porém, que este magistrado não é, necessariamente, competente
para o processamento de todos os fatos relatados no âmbito das declarações do colaborador (STF,
INQ-QO nº 4.130 – Relator: Min. Dias Toffoli – 3.2.2016), os quais observarão regras de
competência regidas pela legislação processual penal e civil, conforme forem sendo
desenvolvidas as investigações e confirmados ou não o envolvimento desta ou daquela pessoa
física ou jurídica.
Nesta fase, cabe ao Relator apenas o juízo de compatibilidade entre a
avença pactuada entre as partes e o sistema normativo vigente (STF, Pet nº 5.952/DF – Relator:
Min. Teori Zavascki – 14.3.2016).
Quanto à regularidade e validade (Lei nº 12.850/2013, art. 4º, § 7º),
extrai-se do termo de acordo o relato da colaboração e seus possíveis resultados (Cláusulas 2ª e
3ª), as condições da proposta do Ministério Público (Cláusula 4ª), a declaração de aceitação do
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 8 de 14
colaborador e de seu defensor (Cláusula 8ª) e as assinaturas das partes e seus representantes (Item
XII).
A voluntariedade do colaborador foi confirmada na audiência realizada
em 10.2.2020, oportunidade na qual afirmou ter tomado a iniciativa de propor o acordo de
colaboração, sem coação ou ameaça. O colaborador também esteve assistido por advogado
constituído, com poderes especiais.
Logo, sob os aspectos de regularidade e validade, o acordo preenche os
requisitos previstos na Lei nº 12.850/2013 (STF, HC nº 127.483/PR – Relator: Dias Toffoli –
27.8.2015).
Sob o prisma da legalidade, o acordo foi firmado antes da entrada em
vigor da Lei nº 13.964/2019, a qual incluiu mudanças no procedimento da colaboração premiada
previsto na Lei nº 12.850/2013, dentre as quais: nulidade de cláusula contendo renúncia ao direito
de impugnar a decisão homologatória; e nulidade de cláusulas que violem critério de definição
do regime inicial de cumprimento da pena, as regras dos regimes e os requisitos para progressão
(art. 4º, § 7º, II).
No caso, definiu-se pela aplicação reatroativa da Lei nº 12.850/2013
sobre as disposições de direito material [subjetivo do colaborador/delator] e aplicação imediata
das regras processuais previstas pela Lei nº 13.964/2019 (STJ, HC nº 282.253/MS – Relator:
Min. Sebastião Reis Junior – 25.3.2014).
O colaborador renunciou somente a impugnação das decisões que
contrariem as disposições do acordo, de modo que o direito de recorrer “vai persistir em tudo
que extrapolar”, conforme prevê a Cláusula 4ª, § 5º, ‘b’; igualmente ao silêncio apenas quanto
aos fatos abrangidos pelo acordo (Cláusula 7ª).
A possibilidade de impugnação do acordo está admitida na hipótese de
descumprimento pelo Ministério Público ou Poder Judiciário (Cláusula 4ª, § 5º, ‘c’, ‘d.6’).
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 9 de 14
Nesses limites, o acordo está em conformidade com orientação
jurisprudencial do c. STF porque inexiste renúncia antecipada a recursos e instrumentos
processuais, tampouco ao direito constitucional ao silêncio e não incriminação (STF, Petição nº
7.265/DF –Relator: Min. Ricardo Lewandowski – 14.11.2017).
A destinação dos valores/bens devolvidos pelo colaborador também foi
pactuada, sendo que essa cláusula se mostra legal, em virtude do interesse público [ressarcimento
de danos e aplicação da lei penal e civil para restauração e prevenção de princípios republicanos,
previstos no art. 37 da CF/88, sem os quais não há ordem, democracia, cidadania, dignidade da
pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa].
Os ajustes envolvendo a colaboração premiada e ações de improbidade
movidas em face do colaborador, embora sejam objeto de questionamento perante o c. STF, em
repercussão geral (ARE 1.175.650/PR – Relator: Min. Alexandre de Moraes – 25.4.2019),
passaram a ser autorizados após o advento da Lei nº 13.964/2019, que alterou a redação do § 1º
do art. 17 da Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), permitindo celebração de
acordo de não persecução civil.
A Cláusula 4ª, § 3º e § 4º encontra-se de acordo com a legislação vigente.
As partes pactuaram sobre regimes prisionais, na Cláusula 4ª, § 2º, ‘a’,
‘b’ e ‘c’ acerca dos períodos e condições para cumprimento da pena, com arrimo em julgados do
c. STF.
Note-se que o acordo foi firmado antes da mudança legislativa que
vedou, no termo de colaboração, a inclusão de cláusulas que definem o regime inicial de
cumprimento de pena, as regras de cada um dos regimes previstos e os requisitos de progressão
de regime (Lei nº 12.850/2013, art. 4º, § 7º, II).
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 10 de 14
Por esse motivo, essa vedação não produz efeitos ao negócio jurídico
firmado, visto que as novas diretrizes da Lei nº 13.964/2019 reduziram o poder instrutório do
juiz (CPP, arts. 3º-A e 28).
Ademais, existem ações penais em curso, inclusive em fase recursal, de
pleno conhecimento dos órgãos do Ministério Público Estadual que subscreveram o acordo, bem
como do colaborador e de sua Defesa, isto é, as partes avençaram sobre situações processuais
concretas e regimes prisionais previstos no sistema processual penal, a afastar qualquer conclusão
acerca de eventual invasão de competência legislativa ou mesmo judiciária.
Os termos deduzidos no pacto se ajustam aos quadros processuais
fundados na autonomia da vontade das partes e projetam resultados materiais palpáveis, até
então, inalcançáveis pela via processual ordinária, ou até mesmo inatingíveis.
As próprias atuações de pelo menos dois subscritores do pedido de
homologação [Dra. Ana Cristina Bardusco Silva e Dr. Roberto Aparecido Turin] comprovam a
dedicação quase vintenária e esforço processual hercúleo para responsabilizar civil e
criminalmente o colaborador/delator (Operação Arca de Noé data de dezembro de 2002, na qual
estavam a frente os citados membros do MPE).
Nesse item, o extrato de ações civis e criminais instaladas em face do
colaborador/delator, no decorrer de vinte anos, evidenciam a ineficácia/ineficiência para
condenar e executar sanções, entre as quais o ressarcimento dos danos causados ao erário público,
quiçá daqueles encobertos e ocultos pela conveniência de manter o poder político a qualquer
custo, somente vencível com a quebra de cumplicidade.
A utilidade da delação para eventuais persecuções penais e de probidade
administrativa somente poderão ser avaliadas com deflagração de outras investigações e medidas
judiciais que tenham por objeto o ressarcimento de danos, a tempo e modo.
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 11 de 14
Por corolário lógico, os resultados jurídicos e as consequências sociais
positivas dependerão de atos de ofício do Ministério Público Estadual, presente e pro futuro, no
exercício ordinário das funções institucionais de velamento do interesse público e
fiscalização/execução da lei penal.
No contexto apresentado, pode-se afirmar que há identificação de
coautores e partícipes de infrações penais e atos de improbidade, a revelação da estrutura política
perene voltada à prática continuada de ilícitos decorrentes de condutas mascaradas pelo
desempenho de mandatos políticos ou maquiadas por atos administrativos que violam a
legalidade, a moralidade e impessoalidade.
Sem elementos auditáveis para estimar com precisão o dano material ao
erário público estadual, causado pelo colaborador, parceiros e beneficiários, menos ainda o dano
moral coletivo repercutido em gerações, a recuperação parcial do produto ou do proveito das
infrações penais praticadas estaria assegurada no acordo, segundo os titulares das ações penais e
por improbidade administrativa que o subscrevem, na crença de que, após mais de ano e dia das
tratativas, com equipe de contadores na estrutura funcional do Ministério Público Estadual, os
valores acordados [a serem restituídos] tenham se baseado na responsabilidade confessada e na
capacidade econômica do colaborador.
De toda sorte, o acordo possui limites objetivos e subjetivos, de modo a
não impedir o manejo de ação civil pública e ação popular por seus legitimados [LACP, art. 5º e
LAP, art. 1º) em face do colaborador.
Não bastasse, acima do acordo estão os preceitos constitucionais do não
afastamento da jurisdição na hipótese de lesão ou ameaça a direito (CF/88, art. 5º, XXXV).
Registre-se que neste acordo de colaboração inexiste renúncia a créditos
fiscais, por ventura decorrentes de negócios realizados pelo colaborador com recursos desviados
e/ou apropriados, ou seja, preservados direitos/interesse material do Estado de Mato Grosso.
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 12 de 14
Assim sendo, a atuação deste Relator, nesse ponto [danos], deve se
restringir, precisamente, a impedir desiderato abusivo ou desproporcional das partes sobre o
ressarcimento de danos (STF, Pet nº 7074 – Relator: Min. Celso de Mello – 28.6.2017).
De mais a mais, o exame de conveniência e a oportunidade do acordo
cabe ao Ministério Público, titular tanto da ação penal, como da ação de improbidade e não ao
juiz (STF, Min. Teori Zavaski – Informações no HC nº 127.483/PR – 27.8.2015).
A Lei nº 13.964/2019 não apenas alterou a Lei nº 12.850/2013
(Colaboração Premiada), mas também o Código de Processo Penal e a Lei de Improbidade
Administrativa, fortalecendo o sistema acusatório e consolidando, em norma jurídica, a não
persecução penal e o acordo de ressarcimento de danos.
Diante da prevalência da convencionalidade, as cláusulas avençadas,
mesmo após as alterações feitas pelo legislador, devem ser preservadas, em prestígio a
estabilidade do que foi pactuado, a segurança das relações negociais e ao interesse público
envolvido (STF, Pet nº 5.952/DF – Relator: Min. Teori Zavascki – 14.3.2016).
Por fim, no tocante aos anexos que compõem o acordo, constata-se que
os fatos delatados foram divididos em 57 (cinquenta e sete) caixas box, contendo documentos e
as declarações do colaborados sobre as supostas condutas ilícitas praticadas pela organização
criminosa. Além desse, o colaborador complementou, em audiência de ratificação de vontade, a
delação, narrando fatos ilícitos em contratos firmados pela Assembleia Legislativa, a serem
objeto de apuração específica, formando-se o Anexo 58.
A deliberação sobre cada anexo será individualizada, observado um
cronograma a ser definido entre este Relator e membros do MPE postulantes, com prazo razoável,
para aferição dos requisitos previstos nos § § 3º e 4º do art.3º-C da Lei nº 12.850/2013, redação
da Lei nº 13.964/2019 [fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com
os fatos investigados e anexos com os fatos adequadamente descritos, com todas as suas
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 13 de 14
circunstâncias, indicando as provas e os elementos de corroboração], bem como aferidas
hipóteses de falta de justa causa para abertura de investigações cível ou criminal e extinção
punibilidade, antes da utilização do material coletado (STF, Inq nº 4420 – Relator: Min. Gilmar
Mendes – 3.12.2018).
Todo material produzido e recebido pelos órgãos do Ministério Público
Estadual deverá ser mantido sob sigilo nos termos do § 3º do art. 7º da Lei nº 12.850/2013,
redação da Lei nº 13.964/2019.
Essa ressalva procedimental não representa aceitação parcial das
cláusulas convencionadas pelas partes, mas adequação à nova lei (Lei nº 13.964/2019, art. 4º, §§
8º e 16), que prevê maior higidez jurídica do juiz ao homologar acordo de colaboração premiada
que tenham repercussão sobre direitos fundamentais de pessoas humanas, ainda não julgadas,
muito menos condenadas, s.m.j.
Ademais, a homologação não representa juízo de valor sobre as
declarações eventualmente já prestadas pelo colaborador à autoridade judicial ou ao Ministério
Público (STF, HC nº 127.483/PR – Relator: Min. Dias Toffoli – 27.8.2015). Não significa
concordância ou afirmação que as declarações são verdadeiras, as quais serão objetos de apuração
futura ou servirão para serem valoradas em ações penais ou civis, em tramitação ou a serem
instauradas, a exigir do juiz que o homologa esmero, bom senso e juridicidade.
Com essas considerações, HOMOLOGA-SE o “Termo de Colaboração
Premiada” encartado às fls. 14/32-TJ.
Outrossim, DETERMINA-SE:
TEXTO SUPRIMIDO POR FORÇA DO § 3º DO ART.7º DA LEI
Nº 12.850/2013
Cuiabá, 20 de fevereiro de 2020.
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓRGÃO ESPECIAL
PETIÇÃO Nº 3478/2020 – CLASSE CNJ – 1727 COMARCA CAPITAL
Fl. 14 de 14
Des. MARCOS MACHADO