Justiça suspende licenciamento de terminais portuários no rio Paraguai, entre Cáceres e Corumbá(MS)

Também foi declarada a necessidade de licenciamento da hidrovia do Tramo Norte - trecho entre Cuiabá (MT) e Corumbá (MS) - pelo Ibama

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Os licenciamentos do Porto do Barranco Vermelho, do Terminal Portuário Paratudal, a licença de operação do Porto Fluvial de Uso Misto de Cáceres (MT) e os licenciamentos de terminais portuários em andamentos, e eventuais licenças ambientais expedidas para o Tramo Norte (trecho entre Cáceres/MT e Corumbá/MS) do Rio Paraguai, foram suspensos por determinação da Justiça Federal, em Mato Grosso, a pedido do Ministério Público Federal (MPF). A decisão judicial também impõe a necessidade de licenciamento da hidrovia do Tramo Norte do Rio Paraguai pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), assim como da Avaliação Ambiental Integrada.

Os pedidos realizados pelo Ministério Público Federal (MPF) estão inseridos no bojo da Ação Civil Pública (ACP) ajuizada em dezembro do ano passado em desfavor do Ibama, do estado de Mato Grosso – representado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema/MT) -, GPG Serviços Portuários, Companhia de Investimentos do Centro Oeste e da Associação Pro Hidrovia do Rio Paraguai (APH).

A ACP é resultado do Procedimento Administrativo 1.20.001.000158/2017-88, por meio do qual o MPF constatou que não havia o licenciamento da hidrovia e nem a Avaliação Integrada do Tramo Norte do Rio Paraguai pelo Ibama. Além disso, o MPF ressaltou que há impedimento jurídico para que a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema/MT) expeça licenças ambientais para Terminais Portuários ou Portos no Tramo Norte do Rio Paraguai, o que anula os procedimentos de licenciamento ambiental e a licença já expedida ou aquelas que foram expedidas durante o trâmite do processo.

Outro ponto também debatido na ACP é que, além de não ter nenhum documento do Ibama autorizando a hidrovia no Tramo Norte do Rio Paraguai, há estudos que apontam não ser possível a navegação industrial no trecho de 680 quilômetros do rio, entre Cáceres (MT) e Corumbá (MS), por causa das características ambientais encontradas nessa parte do Rio Paraguai. Outro fator importante levantado pelo MPF é que a área de influência, que consta nos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) e Relatórios de Impacto Ambiental (Rimas), do Porto do Barranco Vermelho e do Terminal Portuário Paratudal foi apresentada menor do que realmente é, fato que, por si só, tira o crédito da licença ambiental pretendida, respectivamente, pelas empresas GPG Serviços Portuários e Companhia de Investimentos do Centro Oeste.

Licença de operação x licença de hidrovia – O MPF esclareceu, na ACP com pedido de liminar, que, para expedir os licenciamentos portuários e portos, a Sema/MT baseou-se apenas na Licença de Operação 18/1998 emitida pelo Ibama, conferindo a este documento o licenciamento para a instalação da hidrovia no Tramo Norte do Rio Paraguai. “Sucede, todavia, que a mencionada Licença de Operação 18/1998 emitida pelo Ibama é apenas para dragagem e não se confunde com o licenciamento da hidrovia do Tramo Norte do Rio Paraguai do Ibama e com uma Avaliação Ambiental Integrada do Ibama (…)”, consta de trecho da ACP.

Além disso, é preciso relembrar que a competência de licenciamento de hidrovia do Ibama decorre do fato de que o Tramo Norte do Rio Paraguai (entre Cáceres/MT e Corumbá/MS) alcança dois estados, tornando-se uma hidrovia federal e, conforme o Decreto 8.437/2015, da Presidência da República, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades será de competência da União, por meio do órgão federal ambiental competente.

Avaliação ambiental – Assim como o Licenciamento da Hidrovia do Tramo Norte do Rio Paraguai, a realização de Avaliação Ambiental Integrada (AAI) pelo Ibama, no mesmo trecho de rio, também é condicionante para o licenciamento de Unidades Portuários e Portos. A AAI busca identificar especificamente os efeitos sinérgicos resultantes dos impactos ambientais causados por empreendimentos em planejamento, implantação e operação em uma determinada área, como uma bacia hidrográfica.

Diante da tendência de que EIAs/Rimas apresentadas pelas empresas são insuficientes, concentrando-se excessivamente no próprio empreendimento de modo a ignorar, por exemplo, a bacia hidrográfica na área de influência da obra, a AAI se torna essencial no processo.

“(…) é importante registrar que a Avaliação Ambiental Integrada não é um instrumento facultativo e simplesmente dispensável em toda e qualquer hipótese, sob pena de os efeitos cumulativos e sinérgicos serem, simplesmente, ignorados. De se relembrar que a necessidade de Avaliação Ambiental Integrada pelo Ibama foi já firmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região no caso justamente a envolver o licenciamento do Porto de Morrinhos no município de Cáceres (MT) no início dos anos 2000”, citou o MPF no texto da ACP.

O Porto de Morrinhos, como o próprio TRF1 afirmou, tinha a pretensão de transportar 2 milhões de toneladas anuais pelo Tramo Norte do Rio Paraguai. No caso dos empreendimentos apresentados na atual ACP, foi indicado o volume anual de aproximadamente 8,650 milhões toneladas, entre fertilizantes e outras cargas.

Navegabilidade inviável e risco ao Pantanal – Conforme apresentou o MPF à Justiça Federal, estudos apontam o grave risco ambiental em se admitir a navegabilidade em escala industrial que se pretende no Tramo Norte do Rio Paraguai, inclusive para a manutenção da atividade pesqueira e do próprio Pantanal.

Três foram os estudos apresentados na Ação Civil Pública que tratam do tema. O primeiro é o do ICMBio, que em 2017 relatou a possibilidade de a navegação na hidrovia causar danos à Estação Ecológica de Taiamã e ao meio ambiente como um todo, inclusive à atividade pesqueira. Em 2019, o Instituto voltou a demonstrar preocupação com o andamento do licenciamento dos empreendimentos apresentados na ACP.

Em 22 de janeiro de 2018, o Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU) publicou a Recomendação 10, que “dispõe sobre a conservação das sub-bacias livres de barragens ainda restantes na Bacia do Alto Paraguai e do Rio Paraguai em seu Tramo Norte”, advertindo expressamente a necessidade de excluir “o trecho do Rio Paraguai denominado Tramo Norte, entre Cáceres e Corumbá, da possibilidade de navegação industrial ou de grande porte na Hidrovia Paraguai-Paraná, uma vez que é um dos trechos de extrema fragilidade do Sistema Paraguai-Paraná de Áreas Úmidas quanto aos aspectos hidrodinâmicos, sedimentológicos, biogeoquímicos e ecológicos do Rio Paraguai, e que declare este trecho como de área com restrição de uso para navegação de grande porte”.

Há também o parecer técnico sobre a Hidrovia Paraguai-Paraná, elaborado pela pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pantanal/UFMT, doutora Débora Fernandes Calheiros, que traz histórico dos projetos e os riscos ambientais envolvendo o Tramo Norte do Rio Paraguai.

De acordo com a pesquisadora, o Tramo Norte do Rio Paraguai, “em seu trecho médio, se divide em dois braços, que se caracterizam por serem profundos, muito profundos, muito estreitos (50 a 80 m de largura) e extremamente sinuosos, altamente meândricos. Entre estes dois braços forma-se a ilha de Taiamã, uma Unidade de Conservação Federal – Estação Ecológica de Taiamã, gerenciada pelo ICMBio. Próximo a essa região está localizado também o Parque Estadual do Guirá e mais ao sul, junto a foz do Rio Cuiabá, o Parque Nacional Pantanal Mato-grossense (Parna), este considerado como Sítio Ramsar em 1993 – sítio de área úmida de importância internacional pela Convenção Ramsar de Conservação de Áreas Úmidas, como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, em 2000, e área núcleo da Reserva da Biosfera do Pantanal – Unesco, em 2000. Cabe salientar que todo o bioma Pantanal é considerado como Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988”.

Os procuradores da República atuantes em Cáceres e região e que assinaram a ACP, Bernardo Meyer, Júlio Cesar de Almeida e Valdir Monteiro, enfatizaram ainda que em 2020, o Pantanal Mato-grossense foi vítima de uma das maiores queimadas já registradas, tendo sido consumido 26,5% da área do bioma, o que corresponde a área pouco menor que a do estado do Rio de Janeiro, “sendo certo que a falta de estudos que levem em conta esse importante fato novo recomenda especial cautela no trato da temática, não sendo demais lembrar que os estudos constantes do EIA-Rima foram realizados antes desses fatos. Não é por outra razão que a Convenção de Zonas Úmidas de Importância Internacional (Convenção de Ramsar – Decreto 1.905/1996), prevê que as “zonas úmidas constituem um recurso de grande valor econômico, cultural, científico e recreativo, cuja perda seria irreparável”.

Ademais de todo o exposto pelos estudos, também há um documento encaminhado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em dezembro de 2019, que noticia que, antes mesmo da expedição de qualquer licença em favor do Porto de Barranco Vermelho, já havia atividades de implementação do empreendimento em andamento, a exemplo da abertura de uma estrada de acesso ao terminal portuário, “excedendo, ‘em muito’, a área onde foi realizada a pesquisa arqueológica, sendo que, ‘muito provavelmente’, acabou por ‘cortar’ sítio arqueológico de ‘grandes dimensões’”.

Decisão judicial – O juiz da 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres (MT) Rodrigo Bahia Accioly Lins também determinou ao Ibama para que, no prazo máximo de 60 dias, junte aos autos um plano de trabalho e um prazo adequado para o cumprimento da decisão, que será apreciado pelo Juízo após a manifestação do MPF.

O magistrado também advertiu que, em caso de descumprimento da ordem judicial, será apurada a responsabilidade pessoal das autoridades ou gestores nas esferas cível (corresponsabilização por danos decorrentes de suas condutas) e por improbidade, bem como de multa de R$ 100 mil por dia de descumprimento ou por ato de violação, conforme o caso.

Íntegras da ACP e da decisão judicial

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