*Por EMANUEL FILARTIGA
A fila é uma metáfora de nossa sociedade. Lembro-me de meu pai indo de madruga para fila em busca de uma vaga para mim e meus irmãos na E.E. Maria Constança Barros Machado. Lembro igualmente da fila, da dor na fila, no corredor, da Santa Casa, hospital de Campo Grande.
Vejo com dor, não com a dor da dor na fila do corredor (as dores não são iguais, amigo leitor); vejo com dor a fila da cirurgia no SUS, a fila das “creches”, a fila da “casa própria”, a fila dos “benefícios assistenciais”, da aposentadoria, do emprego, dos auxílios, a fila das UTIs, a fila dos processos…as filas por comida, a fila da sopa, da cesta básica.
Schwartz (1978) disse e demonstrou que toda a sociedade pode ser analisada como uma grande rede de filas inter-relacionadas. Quando um sistema não pode (ou não quer) atender a determinados usuários cria-se, inevitavelmente, uma situação de conflito, conhecida como “fila”.
Nas filas ocorre de tudo. Uma promotora de justiça me contou que certa vez, ao chegar em um banco, havia uma fila bagunçada, e não havia nenhum funcionário tentando organizá-la, ou qualquer organização natural. Ao descer no estabelecimento bancário, de dentro, de traz da porta de vidro, saiu um gerente chamando essa minha colega para entrar. Ela disse – Mas e a ordem da fila, quem está na frente e quem está atrás?! O funcionário gerente gaguejou, enquanto isso ela arrumava a fila e esperava sua vez. Quando a viam na rua diziam: “Olha lá a moça que arrumou a fila do banco…”. Há muitas filas e muitas soluções!!
As filas apresentam muitas formas. Há aqueles que, mesmo se ausentando de uma fila, pedem para que lhe seja guardado o seu “lugar”. Já ouvi esse pedido um tanto estranho. Existem as filas que são tudo, menos “indiana”. Há filas em dupla, enquanto um vai pegar o outro fica na fila…manobra bastante alheia também.
E existe a fila furada. Quem não se sente mal com o “fura-fila”?! Penso que até ele mesmo se sente mal, quando vê! Quando vê o outro a espera, o estar na frente, o que revela, o que diz a fila.
Ora, esse alinhamento quer extirpar o desejo de grupos ou classes, dos que, por berço ou por concessão, detêm privilégios; as nobrezas e fidalguias. Quer afastar essa noção hierarquizada da sociedade, essas separações vazias de “esquerda” e “direita”. O querido à fila é que o pobre, o marginal, o velho, o negro pode estar em primeiro lugar ou, pelo menos, num lugar nessa “ordem”.
A fila espera acabar com os privilégios antigos e com as vantagens modernas. Não é tão ruim ficar atrás de uma pessoa desconhecida e na frente de outra, ir do último ao primeiro. Senhores “privilegiados”, por favor, não furem a fila!!!!
*Emanuel Filartiga é Promotor de Justiça em Mato Grosso