A nona Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa exige, por meio de ação civil pública, que duas ex-primeiras damas e dois ex-governadores substitutos devolvam ao erário R$ 1.403.547,21. Esse dinheiro foi pago pelo Estado por força de pensões vitalícias de governador até o ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) enfim apontou a inconstitucionalidade dos repasses feitos via emenda a uma lei estadual criada em 1978 e incluída na constituição estadual em 1998.
A promotora Daniela Berigo Büttner Castor, autora da ação no Ministério Público Estadual (MPE), pede o ressarcimento do dano causado aos cofres públicos pela atual prefeita de Chapada dos Guimarães (distante 60 km de Cuiabá) e viúva do ex-governador Dante de Oliveira, Thelma de Oliveira; a ex-vice-governadora Iraci Araújo Moreira; o ex-deputado Moisés Feltrin; e a viúva do ex-deputado Evaristo Roberto Vieira Cruz, Maria Valquíria dos Santos Cruz.
Segundo o MPE, recolher os mais de R$ 1,4 milhão servirá para recompor o patrimônio público por conta do pagamento das pensões vitalícias feitas ao longo de 20 anos a todos quantos exerceram cargo de governador, mesmo que por um único dia, e que, ainda por cima, foi estendido a ex-primeiras-damas. A promotora argumenta que a soma dos valores recebidos extrapolam o teto constitucional de remuneração pública.
Ela lembra então que o benefício foi iniciado em Mato Grosso a partir da Emenda Constitucional (EC) de número 17, de 05 de dezembro de 1978, e incluído na atual Constituição Estadual por meio de outra EC, a de número 13, de 15 de dezembro de 1998. Para ter direito ao pagamento, cuja previsão era durar a vida inteira, bastava que o substituto tivesse assinado qualquer ato governamental, mesmo que seu “governo” durasse um mero dia.
A promotora lembra que mesmo extinto em 2003, o direito adquirido de quem já recebia até aquele ano foi mantido. “Apesar de os requeridos não receberem mais a pensão de ex-governador, desde novembro de 2018, passaram muitos anos acumulando-a com remunerações e pensão, cuja soma ultrapassa o teto remuneratório constitucional”, escreveu a promotora.
O STF freou o gasto a partir de quando julgou procedente a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade número 4601, pondo fim aos repasses. O dano, porém, já estava feito, no entendimento da promotoria, porque os quatro receberam dinheiro público indevidamente durante anos. Além disso, os valores das pensões somavam a outras remunerações, o que causava aumento no teto constitucional do serviço público. “A partir da Emenda Constitucional nº 19, o pagamento cumulativo da pensão de ex-governador de Mato Grosso e outro subsídio ou pensão passou a se dar em afronta à Constituição Federal, uma vez que o somatório dessas verbas ultrapassou o subsídio mensal dos ministros do STF”, argumentou a promotora.
CASO A CASO
Iraci Araújo passou a receber a pensão em maio de 2008 porque fora vice-governadora de Mato Grosso entre os anos de 2003 e 2006. O MPE quer que ela devolva R$ 322.367,78 ao Estado. Moisés Feltrin foi deputado estadual por vários mandatos e foi presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso entre 1991 e 1995. No dia 15 de março de 1991, assumiu o Executivo e assinou alguns atos. Foi o suficiente para receber a pensão como ex-governador. Dele, o MPE quer a devolução de R$ 753,320 mil.
Maria Valquíria Santos Cruz é viúva do ex-deputado Evaristo Roberto Vieira Cruz, deputado estadual a partir de 1986. Ele também foi eleito presidente da Assembleia e, como Moisés Feltrin, foi governador por 16 dias. Recebeu os pagamentos até morrer; daí em diante, o benefício passou para a viúva, Maria Valquíria. Dela, o MPE quer de volta R$ 217,750 mil.
A atual prefeita de Chapada dos Guimarães, Thelma de Oliveira, passou a receber a pensão em agosto de 2006, quando herdou o benefício do ex-governador Dante de Oliveira, morto no mesmo ano. Ela, inclusive, somou a pensão oao salário de deputada federal, cargo que ocupou até 2011. Para a promotoria, ela deve devolver R$ 110 mil.
“O povo mato-grossense, por isso, aqui substituído pelo MPE, reclama que os requeridos devolvam aos cofres do Estado Mato Grosso todos os valores que receberam além do teto constitucional durante a acumulação. (…) Ante o exposto, requer: a) o recebimento e autuação da presente demanda para fins de apreciação; b) o julgamento antecipado da lide, por ser questão de mérito unicamente de direito, sendo desnecessária a produção de outras provas documentais e, muito menos, a realização de audiência, nos termos do art. 330 do Código de Processo Civil; c) em seguida, sejam citados os requeridos para, querendo, apresentar contestação, sob pena de revelia, tudo na forma e no prazo previstos nos arts. 335 a 346 do Código de Processo Civil; d) o julgamento de total procedência da demanda para condenar os requeridos a devolver aos cofres do Estado de Mato Grosso os valores que receberam além do teto constitucional”, escreveu Büttner Castor.