O Ministério Público Federal (MPF), por meio de sua unidade no município de Cáceres (MT), conseguiu, liminarmente, garantir a posse de área de 25 hectares em favor da comunidade chiquitana Aldeia Novo Barbecho. O território da etnia Chiquitanos está localizado a 110 km do município de Porto Esperidião, e a 460 km de Cuiabá (MT). Atualmente vivem no local cerca de 20 famílias, aproximadamente 100 pessoas. Dentro do pequeno espaço tem casas de moradia tradicional, roças, escola, capela, salão comunitário e campo de futebol.
Conforme o MPF, no ano de 2006 foi firmado um acordo com o proprietário da Fazenda São Pedro, Edir Luciano Martins Manzano, na qual está localizado o território indígena, seguido de sentença homologatória, com o qual ficou estabelecido que a comunidade indígena chiquitana ficaria com a posse de uma área de 25 hectares. Mas, mesmo após a celebração do acordo, Manzano acabou “atacando” os chiquitanos no direito de posse.
Assim, foi ajuizada a Ação de Manutenção de Posse 0001806-44.2015.4.01.3601, na qual o procurador da República Valdir Monteiro Oliveira Júnior ratificou as alegações finais no sentido de garantir o direito possessório da comunidade indígena.
Conforme consta na decisão judicial do juiz federal da 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Cáceres-MT, Marcelo Elias Vieira, vídeos gravados mostram que Manzano foi até a área de posse exclusiva da comunidade indígena chiquitana, “sem ser convidado, atrapalhou os rituais religiosos dos chiquitanos e passou importuná-los, dizendo que gastaria a quantidade necessária para retirá-los da área; e isso, mesmo após ter sido realizado acordo judicial celebrado na ação civil pública número 0001482-69.2006.4.01.3601”.
Na sentença, o magistrado lembra ainda que, tanto o artigo 14º quanto o artigo 7º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), afirmam que as comunidades tradicionais têm o direito de escolher as medidas prioritárias para o seu desenvolvimento econômico, social e cultural. “Isso implica dizer que as autoridades administrativas e judiciais brasileiras não mais podem fazer menção ao regime de tutela, nos termos em que estabelecido no art. 7º da Lei 6001/1973, pelo regime militar brasileiro de 1964-1985. Vale dizer que a política agrária do regime militar brasileiro consistiu numa marcha para o oeste brasileiro, para dentro da floresta amazônica, e com a finalidade de promover maiores espaços para a produção agrícola brasileira. Nessa marcha, a Comissão Nacional da Verdade indica que foram tiradas, pelo menos, 8.350 vidas indígenas. (…) Logo, um passado que deve ser lembrado e para não mais ser repetido. Dito isso, é autorizado chegar à conclusão que cabe à comunidade indígena – e não mais ninguém – o direito de autorizar (ou não) a presença de terceiros em local de seu uso exclusivo”, enfatizou o magistrado.
Com isso, o juiz federal aceitou o pedido do MPF concedendo a tutela possessória e ratificou a liminar em favor da comunidade indígena e em desfavor de Edir Luciano Martins Manzano, no sentido de que este deve cessar e não mais praticar quaisquer atos que impliquem em lesão aos interesses possessórias da comunidade indígena, sendo que, em caso de descumprimento da ordem judicial, deverá pagar multa diária no valor de R$ 5 mil. Além disso, a Justiça Federal também condenou Manzano ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do processo.
Chiquitanos – A população indígena chiquitana no Brasil estava estimada, no ano de 2012, de acordo com o Sistema de Informações de Atenção à Saúde Indígena (Siasi) da Fundação
Nacional da Saúde (Funasa), era de 470 indivíduos, somente em Mato Grossos. A maioria da população chiquitana encontra-se assentada nas terras do Departamento de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
Há registro da presença de índios chiquitanos em solo brasileiro desde 1778, quando a cidade de Cáceres, à época identificada como Vila Maria do Paraguai, teria recolhido 78 chiquitanos fugidos da missão espanhola de São João de Chiquitos. Várias outras levas de indígenas se firmaram em território brasileiro naquele período fugindo dos espanhóis e atraídos pelos incentivos oferecidos pela Coroa Portuguesa para a criação e fixação de mão-de-obra, o que configurou a alta significância e densidade da presença chiquitana no oeste mato-grossense.
As populações chiquitanas há muito ocupam terras brasileiras, mas após o tratado Brasil-Bolívia 1867 e, principalmente com a promulgação da Lei de Terras em 1960, sofreram intensas pressões externas pela expansão agropecuária, inclusive tendo sido utilizados em larga escala como mão-de-obra nas fazendas da região.
Em 1998, a Funai entrou na área da Terra Indígena Portal do Encantado para a realização dos levantamentos preliminares para, em 2002, identificar a terra como de propriedade ancestral dos chiquitanos.
Já na Aldeia Novo Barbecho, a entrada da Funai para resolver a situação dos chiquitanos se deu apenas em 2004. Mesmo assim, as tentativas de expulsão das famílias chiquitano do local continuaram ocorrendo, como a destruição de seus cultivos de arroz, banana e milho, pelo gado de pecuaristas vizinhos, que pastavam livremente na propriedade a mando do fazendeiro; invasão do cemitério ancestral e contaminação das águas do Córrego Tartaruga.
Em 2010, uma audiência pública foi realizada em Cáceres (MT) e contou com a presença da Funai, do fazendeiro e dos Chiquitano, resultando na redução da área de 325 hectares, já garantida aos indígenas, para 25 hectares. Ainda hoje, a TI Barbecho – Vila Nova Barbecho – não foi identificada pelo Grupo de Trabalho da Funai e os Chiquitanos permanecem sofrendo ameaças.
(Com informações do Departamento de Antropologia da USP – Tese de doutorado: Carnaval – Alegria dos Imortais: ritual, pessoa e cosmologia entre os chiquitanos no Brasil. Autora: Verone Cristina da Silva)