Estudo realizado por 30 pesquisadores de órgãos públicos, de universidades e de organizações não-governamentais estima que, ao menos, 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta das queimadas no Pantanal no ano passado.
O estudo (ainda não publicado em revista científica) foi submetido ao periódico Scientific Reports, do grupo Springer Nature, e está sob avaliação de outros cientistas. Os pesquisadores dizem que o trabalho é pioneiro no uso da “técnica de amostra de distâncias em linhas” para calcular mortes de animais em queimadas.
A metodologia é baseada nos chamados transectos: trilhas em linha reta através de áreas pré-determinadas pelos focos de incêndio no bioma. Cada linha percorrida tinha entre 500m e 3km. Ao todo, o grupo percorreu 114 km de transectos.
Nestes trajetos lineares, as carcaças avistadas eram registradas com datas e coordenadas geográficas, assim como a distância perpendicular de cada uma delas em relação à linha de referência.
Quanto mais longe do transecto, menor a quantidade de animais encontrados. Ao conhecer o comportamento dessa probabilidade, os pesquisadores conseguiram elaborar um modelo matemático para estimar o número de carcaças presentes na área. Isso permitiu a modelagem de estimativas que o grupo considerou confiáveis para o cálculo da densidade de animais mortos.
Os 17 milhões de animais vertebrados são assumidamente uma subestimativa, porque muitos animais que vivem em tocas ou dentro de ocos de árvores podem ter morrido nesses locais sem terem sido avistados. Há também o caso de vertebrados muito pequenos que podem ter sido completamente calcinados pelo fogo intenso.
A estimativa abrange o período entre janeiro e novembro de 2020. No ano passado, o Pantanal foi consumido pela maior tragédia de sua história, com a destruição de cerca de 4 milhões de hectares (26% da área de todo o bioma).
Os animais registrados no levantamento foram divididos em dois grupos, de acordo com o tamanho da carcaça: pequenos vertebrados (menos de 2kg), como anfíbios, pequenos lagartos, cobras, pássaros e roedores; e médios para grandes vertebrados (2kg ou mais), como queixadas, capivaras, mutuns, grandes cobras, tamanduás e primatas.
As serpentes aquáticas representaram 60% das vítimas.
“Esses animais possuem baixa capacidade de locomoção, o que dificulta a fuga durante um incêndio. Durante a estação seca costumam ficar enterradas em áreas de campo inundáveis. Quando o fogo atinge uma área úmida seca é bastante comum ocorrer o incêndio de turfa, que consome a espessa camada de matéria orgânica. Esse tipo de fogo é de difícil combate e detecção, podendo queimar por semanas e atingir os animais que habitam esses ambientes”, explicou a bióloga Gabriela do Valle Alvarenga, pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), participante da pesquisa.
Grandes vertebrados como cervos, veados, antas e onças não foram observados a partir dos transectos dada a baixa densidade populacional dessas espécies no Pantanal. Mas foram frequentemente encontrados durante o trabalho de combate aos incêndios, mortos ou feridos perto de estradas.
O estudo alerta que as mudanças climáticas provocadas pelas ações do homem têm influenciado a frequência, a duração e a intensidade das secas na região. O impacto de seguidas queimadas pode ser catastrófico e empobrecer o ecossistema, que já é frágil durante o período sem chuvas. O fogo faz parte da dinâmica natural do Pantanal, mas não nessas proporções.
Diante da possibilidade de novos desastres na região, os pesquisadores esperam com o estudo ajudar a dimensionar os impactos cumulativos causados por incêndios recorrentes no bioma.
O trabalho contou com pesquisadores da Embrapa Pantanal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP), Universidade do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fundação Meio Ambiente do Pantanal, Instituto Smithsonian (dos Estados Unidos), entre outras instituições.
Houve também o apoio logístico e suporte financeiro de ONGs como WWF Brasil, ONG Panthera, Instituto Homem Pantaneiro, Ecologia e Ação (ECOA), Museu Paraense Emílio Goeldi, além da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul e da colaboração de voluntários.
No início dos levantamentos no ano passado, a escassez de verbas impactou o planejamento e as ações no campo, e pesquisadores precisaram trabalhar voluntariamente. Com a repercussão da força-tarefa, chegaram depois recursos de governos estaduais e ONGs.