Acuado ao ver suas chances de reeleição evaporarem, o presidente tem multiplicado as medidas eleitoreiras. O nível de irresponsabilidade tem surpreendido. Para turbinar o Bolsa Família, rebatizado agora de Auxílio Brasil, Bolsonaro implodiu o teto de gastos na prática. Com o aumento acelerado dos combustíveis e das contas de luz, a solução encontrada foi desmontar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O governo quer dar a aparência de que está contendo a escalada nos preços diminuindo os impostos, por meio de renúncia fiscal, mesmo que isso signifique criar um rombo fiscal. A LRF impede tal manobra, a menos que o governo aponte outras fontes de recursos. Daí, a solução foi alterar a própria Constituição. É mais uma pedalada fiscal.
Para evitar o aumento de 21% nas contas de luz neste ano, o governo já havia liberado empréstimo de R$ 15 bilhões para as distribuidoras, financiamento que será diluído nas contas aos consumidores. O bônus para quem diminuir o consumo de luz supera R$ 2 bilhões. Há um mês, o presidente prorrogou até o fim de 2023 a desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores. Só este ano, o benefício vai tirar R$ 10 bilhões dos cofres públicos.
A nova manobra, a PEC dos combustíveis, deve ser entregue ao Congresso nos próximos dias. No Twiter, Bolsonaro deu a senha: “A PEC autoriza que o presidente e os governadores, caso desejem, diminuam ou zerem os impostos dos combustíveis (diesel, gasolina e álcool), bem como da energia elétrica e gás de cozinha. Este último já zerado por nós desde o início de 2021”. Novamente, o presidente tenta jogar nas costas dos governadores a conta da inflação. Eles já tinham congelado os impostos estaduais sobre combustíveis porque o presidente insinuou que essa era a causa da alta. Por isso, anunciaram que vão manter essa medida mesmo com as novas rodadas de aumento promovidas pela Petrobras.
“Bolsonaro está escrevendo um rosário de erros. A PEC é política e irreponsável. Diz muito do governo” Maílson da Nóbrega, consultor
Na ponta do lápis, os especialistas alertam que o fim dos tributos pouco impacta no preço final dos combustíveis. A economia para o consumidor seria de R$ 0,69 no litro da gasolina. O PIS, Cofins e Cide incidem em 10,4% no preço, muito pouco se comparado com o grande buraco que abre nos cofres públicos. “Bolsonaro está escrevendo um incrível rosário de erros”, diz Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria. “Ele quer reduzir o preço dos combustíveis em uma época de alta. É o mesmo que congelar o preço do pãozinho, quando o trigo fica mais caro.” Se aprovada, a PEC vai aumentar o déficit primário, que deve subir de R$ 80 bi para R$ 130 bi. “O presidente achou uma forma de constranger os governadores, pois fica difícil para eles explicarem porque não querem baixar o combustível.” Ao zerar os tributos, os governos estaduais podem perder R$ 200 bilhões em arrecadação. “Os estados já estão quebrados e passam por um programa de recuperação duro, imposto pela esfera federal. Os governadores não têm como diminuir gastos e ao mesmo tempo diminuir receitas”, diz Mailson.
Além de não representar uma solução, a iniciativa ignora as causas do problema. Parte do aumento tem a ver com a desvalorização da moeda. As crises institucionais que o presidente cria desde o início do mandato, além da insegurança fiscal permanente, tornaram o real uma das moedas mais desvalorizadas do mundo. Atualmente, de acordo com os especialistas, o dólar deveria custar R$ 4,50, e não R$ 5,50. “A PEC dos combustíveis é política, inconsequente e irresponsável. Diz muito do governo Bolsonaro. Acho que a proposta não passa no Senado, embora deva ser aprovada na Câmara, cujo presidente, Arthur Lira, está envolvido nessa ação populista do Bolsonaro”, critica Mailson.
O texto pode criar várias distorções. Estabelece um fundo de estabilização para evitar o aumento do diesel, do gás de cozinha e da eletricidade – mas deixa de fora a gasolina. Ele seria abastecido pelos royalties do petróleo. A Petrobras, assim como outras empresas, seria compensada financeiramente sempre que os preços tivessem picos de aumento. A manipulação populista dos preços não é novidade e já teve efeitos desastrosos. Entre 2008 e 2018, a estratégia de não repassar os preços internacionais dos combustíveis causou perdas para a Petrobrás de R$ 120 bi no diesel e R$ 60 bi na gasolina. Nesta época, quem pagou a conta foi a estatal, que quase quebrou.
“A tendência do preço do petróleo é de alta”, diz Roberto Dumas, professor de Economia Internacional do Ibmec. Ele se refere principalmente à possibilidade de conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, que pode ter consequências globais. “O barril do petróleo está próximo dos US$ 90. A expectativa é que chegue a US$ 100.” Dumas afirma que o aumento do preço do gás provocará a elevação dos fertilizantes nitrogenados, muito usado na lavoura, o que pode impactar o agronegócio. “As commodities agrícolas também vão subir. O impacto de uma possível guerra vai mexer diretamente na meta da inflação para o ano, que era de 5,2%. Agora, já se fala em 6%, e pode ser mais.” O professor da Escola de Economia da FGV Clemens Nunes resume: “A proposta está muito crua, na base do achismo. A lei está sendo elaborada no calor de uma disputa eleitoral para ver quem é o mais bonzinho. Estamos tentando resolver o agora sem perguntar sobre a sustentabilidade do futuro”.