Um relatório feito pelo Ministério Público Estadual (MPE) acusa o prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) de autorizar que dezenas de pessoas furassem a fila da vacinação contra a Covid-19, no ano passado.
Conteúdo extraído de um dos celulares apreendidos do prefeito mostra que ele agendou, pessoalmente, as datas de vacinação para 47 pessoas.
A maioria dos agendamentos não respeitou as datas estabelecidas para cada faixa etária, ou seja, há o indicativo de que o prefeito teria autorizado as pessoas a furarem a fila da vacinação.
“Fato gravíssimo extraído das conversas de Whatsapp do aparelho celular do Prefeito agravado, revelam que o mesmo, novamente para atender interesses de parentes (irmão, filho), bem como de políticos (deputados aliados), permitiu que dezenas de pessoas indicadas FURASSEM A FILA DA VACINAÇÃO, já que tiveram agendamento providenciado pelo próprio Prefeito, mesmo não estando na época permitida para vacinação, sendo importante lembrar que tal conduta deu azo a vários pedidos de afastamentos, de Prefeito a servidores, pelo país afora”, afirmou o procurador-geral de Justiça, José Antônio Borges.
O celular de Emanuel foi apreendido no dia 19 de outrubro do ano passado, durante busca e apreensão da Operação Capistrum, que investiga um esquema de centenas de nomeções ilegais na Secretaria Municipal de Saúde.
Entre aqueles que ligaram para Emanuel, pedindo os agendamentos, estão seu filho, o deputado federal Emanuelzinho (PTB) e um de seus irmãos, Marco Polo Pinheiro, o Popó, que foi alvo de busca e apreensão, recentemente, da Operação Fake News, da Polícia Civil.
Além deles, um deputado estadual e um delegado de polícia pediram o agendamento para familiares, amigos ou funcionários.
O relatório produzido pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado), ligado ao MPE, foi encaminhado, nesta semana, por José Antonio Borges ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que nos próximos dias deve julgar um recurso que pede novo afastamento de Emanuel do cargo (confira abaixo).
No ano passado, ele ficou 37 dias afastados por causa do esquema que resultou em um “cabide de empregos” na Prefeitura de Cuiabá.
Borges diz que todos encaminharam nomes para o telefone particular do prefeito para acelerar o processo de vacinação, que teve início em 2021.
Os pedidos ocorreram no segundo semestres do ano passado, quando havia uma intensa expectativa e corrida da população aos postos de vacinação,
com as doses sendo disponibilizadas conforme a idade e a condição de saúde da pessoa.
Modus operandi
O esquema de “fura-fila”, segundo o Gaeco, funcionava da seguinte forma: parentes e agentes públicos entravam em contato com o prefeito Emanuel, geralmente via WhatsApp, indicando os nomes.
Emanuel, então, repassava os nomes para uma pessoa identificada em seu celular como “Gilmar Saúde”.
O Gaeco acredita que se trate de Gilmar de Souza Cardoso, o coordenador técnico de Tecnologia e Informática da Secretaria de Saúde de Cuiabá à época.
Em conversa de WhatsApp com “Gilmar Saúde”, entre os dias seis de julho e 19 de setembro do ano passado, Emanuel encaminhou diversos arquivos em PDF com nome de indicados para tomar a vacina.
“Destaca-se que, assim que as solicitações de agendamento eram feitas ao prefeito Emanuel Pinheiro, aquelas que ele acha pertinentes, realizava o encaminhamento do cadastro/dados ao Sr. Gilmar para que este realizasse o agendamento, posteriormente o Sr. Gilmar encaminhava o comprovante de agendamento ao prefeito Emanuel Pinheiro, que na sequência repassava tal comprovante ao solicitante do agendamento”, diz o relatório do Gaeco.
Em um dos agendamentos, solicitado em 7 de julho de 2021, um deputado envia um arquivo em PDF denominado “Relação dos servidores aptos a serem vacinados”. Emanuel o questiona se todos eles fizeram cadastro, e o político responde que sim.
Na relação constam os nomes de seis pessoas, entre 35 e 38 anos de idade, e uma pessoa com 24 anos; eles se vacinaram no dia 13 de julho.
De acordo com o relatório do MPE, a vacinação para a faixa etária entre 35 a 39 anos começaria apenas no dia 4 de agosto. Para 18 a 24 anos, em 2 de setembro.
“Mediante pesquisas, identificamos os indivíduos indicados para o agendamento da vacinação contra o Covid-19, ressaltando que sua solicitação fora atendida pelo prefeito Emanuel Pinheiro ainda que aqueles ali indicados não fizessem parte do grupo que estava sendo contemplado na campanha de vacinação à época”, diz o relatório.
“Emanuelzinho Meu Amor”
O contato “Emanuelzinho Meu Amor”, número que o Gaeco apontou como sendo do deputado federal Emanuelzinho, solicitou no dia 12 de julho o adiantamento da segunda dose para uma mulher.
“Antecipar vacina de 22 para 15 [de julho], segunda dose. Astrazeneca”, diz a mensagem. O prefeito em seguida encaminha de volta um documento em PDF sinalizando que o agendamento foi feito.
“Em mensagem enviada pelo interlocutor Emanuelzinho Meu Amor, vislumbra- se a solicitação da antecipação da data devacinação de urna pessoa, bem como há a indicação da marca da vacina a ser aplicada, pedido este que fora atendido pelo Prefeito Emanuel Pinheiro, consoante comprovante de agendamento de vacinação encaminhado”.
Confira:
“Popó”
Popó Pinheiro, investigado pela Polícia Civil, acusado de participar de um esquema de distribuição de fake news contra adversários de Emanuel, também encaminhou uma série de arquivos requisitando ao prefeito agendamentos de amigos e conhecidos.
Em um dos casos, ele manda o CPF da pessoa e escreve: “Dá para resolver esse?”. Emanuel responde encaminhando um arquivo em PDF, sinalizando que o cadastro havia sido feito.
São 16 pessoas indicadas por Popó, entre 19 e 46 anos, vacinadas entre julho e agosto do ano passado, fora do calendário vacinal de Cuiabá para esta faixa etária.
Delegado
Outro citado é um delegado, que teve uma conversa com o prefeito no dia 9 de julho do ano passado. Segundo o Gaeco, ele pediu o agendamento da vacinação de sua filha.
“Ato contínuo, o delegado encaminha arquivo de imagem do cadastro de vacinação de sua filha e, posteriormente, duas fotografias, uma delas de sua
filha sendo vacinada”, diz o MPE.
Destaca- neste caso a intervenção do Prefeito EMANUEL PINHEIRO no agendamento de vacinação solicitado pelo delegado, urna vez que o agendamento se deu na mesma data em que houve a solicitação,agendamento este realizado pelo servidor GILMAR, consoante exposto em trecho de diálogo entre este interlocutor e o Prefeito Emanuel Pinheiro”.
Veja lista de agendamentos feitos poe Emanuel Pinheiro:
Afastamento no STJ
As informações do relatório do Gaeco foram anexadas a um recurso, chamado Suspensão de Liminar e de Sentença, que tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ), contra Emanuel Pinheiro. O recurso foi interposto procurador-geral de Justiça José Antônio Borges, na segunda-feira (15).
Borges é contra a decisão do presidente do STJ, ministro Humberto Martins, que ordenou o retorno de Emanuel ao cargo, em novembro passado.
No recurso, o procurador-geral de Justiça ainda pede para que os ministros do STJ definam pelo afastamento do prefeito do cargo.
“O agravado vem continuamente praticando ilegalidades e mesmo crimes no cargo de Prefeito, sem contar que tem agido no sentido de impedir o descortino de seus feitos”, argumentou.
O julgamento ocorrerá por meio de sessão virtual entre os dias 16 e 22 deste mês.
O prefeito foi afastado em outubro sob acusação de criar um “cabide de empregos” na Secretaria Municipal de Saúde para acomodar centenas de indicações de aliados, para obter, manter ou pagar por apoio político. Ele ficou fora do cargo por 37 dias.
No recurso, já há a manifestação do Ministério Público Federal (MPF) favorável à derrubada da decisão que determinou o retorno.
Segundo o subprocurador-geral da República, Nicolao Dino, a “manutenção do prefeito no cargo tem causado grave risco à instrução processual e à saúde e economia pública”.
Emanuel teve dois afastamentos decretados pela Justiça de Mato Grosso no ano passado. O primeiro no âmbito criminal e, o segundo, no cível.