Tendo em vista notícias veiculadas na mídia no sentido de que lobistas e empresas estariam visitando deputados estaduais para fins de ver rejeitado o Projeto de Lei nº 671/2021, apresentado pelo deputado estadual Wilson Santos, que veda a construção de usinas hidrelétricas e Pequenas Centrais Hidrelétricas no Pantanal e seu entorno, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por meio do procurador-geral de Justiça, José Antônio Borges Pereira, manifesta-se nos seguintes termos:
O Pantanal é a maior planície contínua alagável do mundo. Passa por quatro fases hídricas: de enchimento (quando as chuvas começam), enchente (“cheia”), caracterizada pelo período de águas altas, de vazante (águas começam a baixar) e estiagem (“seca”). A dinâmica das águas, caracterizada pelo ciclo hidrológico anual, do sobe e desce das águas, define o pulso de inundação, principal serviço ecossistêmico de regulação do bioma do Pantanal. Processos ecológicos relacionados à biodiversidade e mesmo serviços ecossistêmicos culturais também estão associados a esse movimento das águas definido pelo pulso de inundação.
A dinâmica das águas do Pantanal constrói lagoas naturais de grande extensão, funções ambientais e singular beleza cênica, chamadas de baías. A existência dessas paisagens resulta da sazonalidade dos níveis de chuva que causam as alagações. Essas baías são ligadas aos rios por meio de centenas de pequenos canais por onde correm as águas, também de forma lenta, chamados de corixos.
O Pantanal oferece serviços ecossistêmicos de regulação, provisão de alimentos para garantia de soberania alimentar para as populações locais e constitui parte integrante da cultura do povo mato-grossense. Ocorre que esse bioma e seus serviços ecossistêmicos se encontram ameaçados por pressões antrópicas, como a construção de hidrelétricas, mineração e conversão de ecossistemas naturais.
Essas obras ameaçam a estrutura e funcionamento da área úmida Pantanal. Também colocam em risco os serviços ecossistêmicos do bioma relativo às áreas úmidas, sendo que o ciclo hidrológico nessa paisagem é que colabora para a estocagem periódica de água, recarga dos aquíferos e lençol freático, retenção de sedimentos e manutenção da biodiversidade e moradia para as populações tradicionais, dentre outros.
Os usos indevidos dos rios do Pantanal têm causado problemas ambientais de significativas e irreversíveis proporcionalidades, como, por exemplo, a recente seca da Baía de Chacororé. Os efeitos negativos da Usina do Manso sobre o bioma são de conhecimento público e notório.
Além das centenas de estudos produzidos em programas de pós-graduação das universidades localizadas em solo mato-grossense, a Agência Nacional de Águas produziu substancioso estudo técnico em que se constatou que “não vislumbra a possibilidade de serem aprovados empreendimentos que promovam a interrupção do processo migratório dos peixes, em detrimento da proteção do meio ambiente, seja ele na bacia do rio Cuiabá, seja ele em outros rios da bacia do Alto Paraguai que estejam localizados na ZONA VERMELHA” (conforme laudo pericial juntado nos autos da ACP n.º 1010861-87.2021.8.11.0041).
Além disso, perícia realizada no Pantanal pelo Ministério Público em conjunto com pesquisadores da UNEMAT, UFMT, POLITEC, IBAMA e DEMA concluiu pela inviabilidade ambiental de serem instalados novos empreendimentos geradores de energia elétrica mediante barramento do Rio Cuiabá, confirmando e corroborando as conclusões da Agência Nacional de Águas.
Nesse cenário, o Ministério Público, que possui função institucional de defesa dos interesses sociais indisponíveis, dentre os quais inclui o meio ambiente, tem representado os interesses da proteção ambiental na tentativa de impedir intervenções que afetam o equilíbrio natural deste bioma e, nesse desiderato, manifesta confiar no espírito público dos legisladores mato-grossenses para que o referido PL seja aprovado, impedindo-se novas usinas e pequenas centrais hidrelétricas em toda a extensão do Rio Cuiabá.
José Antônio Borges Pereira
Procurador-geral de Justiça