A atuação profissional e a memória do indigenista Bruno Pereira foram manchadas por declarações do presidente Jair Bolsonaro e do presidente da Funai, Marcelo Xavier. A acusação partiu de Beatriz Matos, viúva de Pereira, que participou nesta quinta-feira (14) de audiência pública da Comissão Temporária sobre a Criminalidade na Região Norte.
O indigenista foi assassinado no Vale do Javari (AM) em 5 de junho, ao lado do jornalista britânico Dom Phillips. Os dois estavam investigando a invasão de terras indígenas por pescadores ilegais.
— Gostaria que o presidente do Brasil e o presidente da Funai se retratassem em razão das declarações ridículas que fizeram. O presidente da Funai falou em ilegalidade da presença deles ali. O presidente da República falou coisas que eu me recuso a repetir aqui. Isso não é uma questão menor. É uma questão muito séria — disse Beatriz, que incluiu nas cobranças o o vice-presidente da República, Hamilton Mourão.
Ela disse que não recebeu qualquer palavra de condolência do governo brasileiro e criticou a falta de apoio da Presidência da Funai. Por outro lado, agradeceu as homenagens dos povos indígenas e o apoio de deputados e senadores.
Além de Beatriz, a comissão ouviu o líder indígena e ex-coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) Jader Marubo. Ambos relataram um processo de desmonte das estruturas de fiscalização do Estado na Amazônia: indígenas e servidores da Funai vivem um ambiente de medo e ameaças por denunciarem a atuação do narcotráfico na região, assim como a atividade ilegal de pescadores, caçadores e garimpeiros. Para Beatriz, que é antropóloga e também atua no Vale do Javari, o governo tem demorado a agir para enfrentar esses problemas.
— Que as mortes do Dom e do Bruno sirvam pelo menos para que se construa outra alternativa naquela região. Que seja possível transitar sem sofrer violência — alertou.
Na opinião do líder indígena, Bruno e Dom morreram por lutar pelos direitos dos indígenas e denunciar ilegalidades na região. Marubo entende que o presidente Jair Bolsonaro é o responsável pelo desmantelamento da Funai e de órgãos de fiscalização e teria, portanto, parcela de responsabilidade pelas mortes.
— Em campanha mesmo, o presidente Bolsonaro falou que iria ceifar a Funai. Hoje, entendemos o que é ceifar a Funai. Eles desestruturou a instituição. Se houvesse uma Funai forte, uma Funai atuante, uma Funai que fizesse o trabalho para o qual ela foi criada, hoje o Bruno estaria vivo — disse o ex-coordenador da Univaja.
Marubo alertou para o fato de que as atividades irregulares ameaçam, ainda, a floresta e os povos indígenas isolados. O líder indígena respondeu a uma série de perguntas dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Nelsinho Trad (PSD-MS), Humberto Costa (PT-PE) e Leila Barros (PDT-DF), mas os parlamentares optaram por apresentar questionamentos mais específicos de forma reservada, diante do risco à integridade física de Marubo.
— Tudo indica que pode acontecer isso [mortes] de novo, se nada for feito — confirmou o indígena.
Requerimentos
Durante a reunião, senadores aprovaram requerimentos dos senadores Randolfe Rodrigues e Nelsinho Trad com pedidos de informações ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal sobre as investigações das mortes de Bruno e Dom.
Por meio do Portal do Senado, é possível acompanhar as atividades e ter acesso aos documentos do colegiado, que recebeu a denominação formal de Comissão Temporária Externa para investigar, “in loco”, as causas do aumento da criminalidade e de atentados na região Norte (CTENORTE).
Fonte: Agência Senado