Por: Jornal a Gazeta
As confissões feitas pelos principais réus na Operação Sangria, que apura fraudes em licitação, organização criminosa e corrupção ativa e passiva, envolvem políticos com foro privilegiado (prerrogativa de julgamento em tribunais superiores e estaduais), conforme apurou a reportagem do jornal A Gazeta.
No caso da Sangria, existem as duas situações, ou seja, ocupantes de cargos e mandatos eletivos federais e estaduais. As confissões fazem parte de um processo preliminar do acordo de colaboração premiada que, segundo apurou a reportagem, é costurado com o ex-secretário Huark Correa e os médicos Fábio Liberali Weissheimer e Luciano Correia Ribeiro, que tiveram liberdade concedida na última sexta-feira (4).
A citação aos agentes com foro, contudo, não foi confirmada pela juíza responsável pelo processo, a magistrada Ana Cristina Mendes, da Sétima Vara Criminal.
‘Só um dos inquéritos já foi para a Justiça Federal, por ora não tem nada relacionando pessoas com foro, foi encaminhado a Justiça Federal somente por conta de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), que pertencem à União’, comentou. ‘Se cita alguém em específico eu não tenho o menor conhecimento, são questões sob sigilo’, desconversou a juíza.
O processo ainda não foi encaminhado à Justiça Federal porque existe um recurso interposto pelo advogado Anderson Figueiredo, que representa o réu Flávio Alexandre Taques da Silva. Figueiredo protesta contra a concessão de liberdade aos três réus que aceitaram confessar. Fábio Alex Taques de Figueiredo, que também é réu, entrou com recurso semelhante contra a decisão, que foi desprovido pela juíza.
Estranhamento
Juristas ouvidos pela reportagem do jornal A Gazeta apontaram que há um certo ‘estranhamento’ quanto à decisão de Ana Cristina para liberar os confidentes do esquema. Isto porque a mesma magistrada declina da competência sobre o processo para a Justiça Federal antes de conceder liberdade aos réus.
O pedido do Ministério Público Estadual (MPE) para que a investigação saia da justiça comum também indica que a análise da soltura ou não dos investigados caberia ao juiz federal responsável pelo processo, caso o juízo da Sétima Vara Criminal declinasse da competência. O pedido, protocolado no dia 9 de abril pela promotora Márcia Borges Furlan, cita que já existe investigação no Ministério Público Federal sobre o caso e que a decisão sobre conceder ou não liberdade aos réus não seria mais de responsabilidade da magistrada.
‘O juízo competente – Vara Federal terá a incumbência de analisar a pertinência da manutenção ou não das prisões já decretadas, falecendo, nesta oportunidade, a esse juízo qualquer atuação nesse ou noutro particular’, diz trecho da requisição de declínio.
Delação?
Há indícios de que o argumento de que havia recursos federais desviados pela organização criminosa serviria para não revelar detalhes da tratativa da delação que está sendo costurada entre os advogados dos réus e o Ministério Público. O fato de Huark Correia, Fábio Weissheimer e Luciano Ribeiro terem desistido de seus habeas corpus em instância superiores também pode ser uma evidência de que o acordo esteja em fase final para ser finalizado.
Além disso, os três foram conduzidos do Centro de Custódia de Cuiabá para o Comando Geral da Polícia Militar, onde os depoimentos poderiam ser prestados de forma menos desconfortável.
‘No decurso do processamento desta ação penal os acusados passaram a adotar uma postura colaborativa, o que foi devidamente reconhecido pelo juízo ao deferir o pedido de transferência para unidade prisional em que conferisse possibilidade de tratativas com a defesa com vias de que eles efetivamente pudessem contribuir com as investigações’, diz trecho da sentença de Ana Cristina Mendes.
Procurado, o advogado do ex-secretário de Saúde Huark Correia, Hélio Nishiyama, não atendeu às nossas ligações para confirmar ou não o andamento das negociações de uma delação e a citação ao nome de pessoas com foro privilegiado. O processo é mantido em sigilo até mesmo na Justiça estadual.
A decisão que concedeu a liberdade aos três réus, considerados principais articuladores do esquema, cita que o trio confessou fraudes na composição dos preços da licitação do Hospital São Benedito, em que as empresas participantes eram todas de propriedade dos réus.
Além disso, segundo a decisão, os contratos firmados depois da licitação foram mantidos graças ao pagamento de propina mensal a ‘agentes públicos’. A decisão não cita quem seriam estes agentes públicos que receberam dinheiro de propina. As propinas foram pagas não só no Hospital São Benedito, mas também em outras unidades hospitalares de Cuiabá e do estado de Mato Grosso.
O esquema
O grupo denunciado pelo MPE é acusado de intermediar e direcionar a contratação de empresas por meio de pagamento de propinas. O exsecretário Huark é acusado de ser o líder da organização criminosa que atua nas frentes de cargos políticos importantes para proporcionar o direcionamento das licitações e serviços de saúde para as empresas Proclin, Prolabore e Qualycare.