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A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (10/7) o texto-base da reforma da Previdência em primeiro turno por 379 votos a favor a 131 contra, depois de mais de quatro meses de análises e debates. O texto precisa ser aprovado ainda em uma segunda votação na Câmara, por ser uma proposta de alteração da Constituição (PEC). Em seguida, o texto passará por mais duas votações no Senado antes de entrar em vigor, caso não sofra mudanças dos senadores.
A reforma foi aprovada com folga de votos – eram necessários ao menos 308 votos dos 513 possíveis. Deputados da base aliada comemoram o resultado da votação agitando bandeirinhas do Brasil.
Já a oposição fez um protesto hoje no plenário, discursou contra a reforma e protocolou cinco requerimentos para tentar obstruir o projeto, mas não teve sucesso. Em todas as votações, a posição pró-reforma saiu vitoriosa. Numa delas, encerrada às 16h, o lado favorável à reforma da Previdência obteve 345 votos. A oposição afirma que a reforma mantém privilégios e prejudica os mais pobres.
O texto-base da reforma cria idades mínimas para aposentadoria para a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), e prevê regras que devem reduzir o valor das aposentadorias dos civis, entre outras mudanças.
Depois dessa aprovação do texto-base, os deputados votarão os chamados “destaques” à reforma, que podem alterar o texto-base. Geralmente, os “destaques” ocorrem quando um parlamentar ou uma bancada entendem que um determinado aspecto da proposta precisa ser “separado” a fim de ser votado à parte. Quando um trecho é “destacado”, ele só volta ao texto principal depois de ser aprovado pelo plenário.
A seção desta quarta foi encerrada pelo presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), pouco antes das 21h, no meio da votação de um dos destaques, que beneficiaria os professores.
O encerramento foi criticado pela oposição, que tinha changes de conseguir aprovar a mudança em favor dos professores. Maia se defendeu dizendo que os deputados estavam “confusos em relação ao mérito do destaque”.
“Tinha deputado que veio me falar que estava votando de um jeito, mas eu falei: você vai impactar de outro jeito. ‘Então vou votar contra’. O problema era esse, as pessoas estavam mal orientadas, mal informadas sobre o mérito dessa matéria”, disse ele à BBC News Brasil.
Os destaques serão votados a partir desta quinta-feira, e devem ir no máximo até sábado, segundo Maia – o governo quer fazer a segunda votação na Casa até o dia 17 de julho, antes do recesso parlamentar.
Cartazes, bandeiras e choro
As últimas horas antes da aprovação da reforma foram ocupadas por discursos emocionados dos líderes das bancadas – contra e à favor da reforma. A maioria aproveitou para agradecer os esforços dos deputados dos seus partidos durante os quase um semestre de tramitação da reforma da Previdência.
Deputados de oposição ao governo de Jair Bolsonaro carregavam cartazes que diziam “Essa não!”, em repúdio à reforma. A maioria dos líderes de esquerda destacou o fato de a reforma endurecer as regras de aposentadoria para as pessoas de menor renda.
“É uma proposta cruel, cruel com os aposentados e com as aposentadas do INSS, cruel com as pensionistas do INSS. Persegue os servidores públicos de menor poder aquisitivo. E não tiveram a coragem de enfrentar sequer a possibilidade de um debate sobre novas formas de financiamento da Seguridade Social do Brasil. Negaram-se a discutir a taxação das grandes fortunas, a criação de um imposto sobre lucros e dividendos”, disse o líder do PT, Paulo Pimenta.
Enquanto isso, congressistas pró-reforma ressaltaram que a mudança nas regras das aposentadorias é necessária para reequilibrar as contas públicas.
“Ninguém fica feliz de mexer nas regras das aposentadorias”, disse o líder do PP, Arthur Lira (AL). “Mas todos os ex-presidentes fizeram mudanças, e o fizeram por absoluta necessidade. O presidente Lula fez a sua reforma, o presidente Fernando Henrique, a presidente Dilma, e o presidente Temer tentou.”
Diversos parlamentares elogiaram em seus discursos o trabalho de Rodrigo Maia para avançar com a reforma. Um dos mais empolgados nos seus elogios, o Delegado Waldir (GO), líder do PSL, fez o presidente da Câmara chorar.
Waldir também exaltou os deputados de partidos de oposição que declararam apoio à reforma e correm o risco de serem expulsos de duas siglas, caso da deputada Tabata Amaral (PDT-SP).
“Eu faço um apelo aos partidos de oposição: não punam os deputados que vão votar com o Brasil, com os mais pobres”, disse Waldir, em seguida emendando que “o PSL tem portas abertas” para os que eventualmente forem expulsos, o que arrancou risos no Plenário.
Rodrigo Maia fez o último discurso antes do resultado. Ele fez uma fala voltada aos deputados, e se emocionou novamente.
“Eu tô muito feliz, de estar conduzindo essa sessão hoje, principalmente pelo respeito dos deputados da oposição. A boa relação que nós construímos, de respeito entre todos, é que nos permitiu chegar até aqui. Muitas vezes, os nossos líderes são desrespeitados, criticados na imprensa de forma equivocada, mas são esses líderes que estão fazendo as mudanças no Brasil. Junto com os seus deputados. Eu tenho muito orgulho de presidir a Câmara e de ter o respeito de cada um dos deputados”, disse.
Destaques
Entre os destaques, há mais de 20 propostas de partidos para alterar o texto-base. Segundo o líder da maioria na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), há acordo para aprovar duas mudanças.
Uma delas pretende suavizar ainda mais a regra de aposentadoria dos policiais federais e outros servidores federais da área de segurança pública, estabelecendo idade mínima de 53 anos para homens e 52 para mulheres dessas categorias.
A outra prevê que o benefício pago às mulheres, que, segundo a reforma, começará em 60% da média das contribuições da trabalhadora ao longo de sua vida quando alcançados os 15 anos de contribuição, suba dois pontos percentuais ao ano já a partir do 16º ano de contribuição, e não a partir do 20º.
Nesta quarta, a seção foi encerrada no meio da votação de um dos destaques, que beneficiava os professores. O destaque pedia retirada da reforma da idade mínima para professores, mantendo as regras atuais.Hoje, não há idade mínima na rede privada, mas é exigido tempo mínimo de contribuição. No setor público, a idade mínima nas regras atuais são 50 anos (mulheres) e 55 (homens).
Sem a aprovação do destaque, a reforma estabeleceria idade mínima de 57 anos para professoras e 60 para professores – a regra seria a mesma para rede pública e privada.
Vitória para o governo
A aprovação da reforma na Câmara é uma importante vitória do governo de Jair Bolsonaro, que vinha tendo dificuldades de articulação no Congresso.
Para garantir votos dos deputados, o governo acelerou a liberação de emendas ao Orçamento – só em julho, o governo liberou R$ 2,55 bilhões em emendas, de acordo com levantamento da ONG Contas Abertas.
Também houve acordos entre o governo e deputados para garantir a liberação de emendas nos Orçamento dos anos seguintes, como forma de conseguir mais votos. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) teria prometido R$ 40 milhões a cada deputado que votar a favor da Reforma Previdenciária, até 2022.
O governo considera fundamental fazer a Reforma da Previdência para equilibrar as contas públicas e liberar recursos que hoje vão para a aposentadoria para investimentos em outras áreas, como educação, saúde e segurança pública.
A ampla margem de vitória surpreendeu a equipe do governo que acompanhava a votação. Emocionado logo após o resultado, o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, disse a jornalistas que não conseguiria falar. Bianco chamou atenção nos últimos meses por sua voz fina e passou a usar a atenção que ganhou com isso para gravar vídeos descontraídos com sua filha para explicar a reforma nas redes sociais.
O secretário de Previdência Social, Rogério Marinho, disse que o governo trabalhou para conseguir o máximo de votos, mas reconheceu que ficou “positivamente surpreendido” com os 379 votos.
“O desfecho desse processo, que espero que aconteça da melhor maneira possível, vai nos dar previsibilidam vai nos dar segurança jurídica, vai nos dar confiança para que os empreendedores e investidores locais e de fora do país tomem a decisão de voltar a investir no Brasil”, destacou.
O deputado de oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), atribuiu o resultado ao “toma lá da cá” da liberação de verbas pelo governo aos parlamentares e ao que considera uma percepção equivocada de que os brasileiros apoiam essa proposta.
“O povo quer uma reforma, não essa reforma”, disse. “Hoje, a maioria esmagadora da Câmara olhou apenas para os números e se esqueceu das pessoas. Essa fatura será cobrada da Câmara quando o povo sentir os efeitos das crueldades aprovadas nessa noite. Tenho certeza que a Câmara será obrigada a rever essa decisão mais à frente”, acrescentou.
Durante os discursos, defensores da reforma diversas vezes defenderam que ela será importante para aumentar o geração de empregos no país. Sustentaram também que ela corta privilégios, embora algumas categorias, como policiais, outros agentes da área de segurança e professores tenham mantido normas mais brandas.
O líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), considera que a aprovação da Reforma da Previdência em primeiro turno da Câmara reflete uma maior aceitação da população quanto à necessidade de se alterar as regras de aposentadoria, o que, na sua avaliação, reflete um longo processo de convencimento iniciado em 2016, no governo de Michel Temer.
“A gente teve um ambiente muito menos hostil esse ano. A discussão na comissão foi muito mais tranquila. Lembra como foi (no governo Temer), teve gás lacrimogêneo, spray de pimenta”, recordou, enquanto o plenário ainda analisava a proposta.
Críticas
Parlamentares da oposição criticaram o fato da reforma não ter focado em aumentar a geração de receitas para cobrir os gastos da previdência, como passar a tributar os dividendos (parte dos lucros) distribuídos por empresas a acionistas, em vez de obrigar a maioria dos brasileiros a trabalhar mais tempo para poder se aposentar.
O deputado Alessandro Molon (PDT-RJ), líder da oposição, disse que os deputados da oposição reconhecem a necessidade de uma reforma, mas não concordam com os termos propostos pelo governo Bolsonaro. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”, disse. “O governo Bolsonaro diz que vai cortar privilégios, mas as principais mudanças desta reforma da Previdência afetam quem ganha até R$ 2.000.”
O líder do PT, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), fez duras críticas ao forte aumento de empenho de verbas (primeira etapa para liberação dos recursos) para emendas parlamentares nas vésperas da votação.
Ele comparou essa estratégia à suposta compra de votos para aprovar a emenda constitucional que possibilitou a reeleição durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, conforme denúncia do jornal Folha de S.Paulo na época.
“É uma vergonha. Todos o senhores e senhoras sabem, Fernando Henrique Cardoso ficou marcado porque comprou nessa Casa votos para garantir sua reeleição. Nos últimos dias estamos assistindo bilhões de reais em dinheiro público para comprar o voto de deputadas e deputados, que viraram as costas para o povo que se elegeu”, acusou Pimenta, da tribuna do Plenário.
“Esta reforma é marcada por esse vício, o vício da distribuição de recursos públicos para trocar votos nesse plenário”, reforçou, cercado de outros deputados do PT, que empunhavam cartazes como “aposentadoria pé na cova”.
A prática de liberar de verbas para emendas parlamentares para garantir votos é comum na relação do Executivo com o Legislativo e também foi usada durante os governos do PT de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, citados em discursos de deputados da base aliada do governo Bolsonaro.
O que vai mudar?
Uma mudança importante que atingirá a maior parte da população é a criação de idades mínimas para aposentadoria. Se a proposta for aprovada nos termos estabelecidos pela comissão especial, a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal, precisará trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65 anos, caso homem.
Por enquanto, no INSS, vigora um regime misto em que é possível se aposentar por idade (a partir de 60 anos para mulheres e a partir de 65 anos para homens) ou por tempo de contribuição (ao menos 15 anos).
Já no serviço público federal, hoje são exigidos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição para homens e 55 anos de idade e 30 anos de contribuição para mulheres.
Ou seja, caso a reforma seja aprovada, todos terão que se submeter à regra da idade mínima, mudança que atinge principalmente pessoas de maior renda, já que os mais pobres, em geral, não conseguem contribuir por períodos longos e já se aposentam por idade.
Outra mudança, porém, afetará os homens de menor renda. A reforma prevê que o tempo mínimo de contribuição exigido deles no INSS suba de 15 para 20 anos. A comissão especial rejeitou essa mudança para as mulheres porque elas, em geral, têm ainda mais dificuldade de contribuir por um período longo devido à interrupção da vida profissional para ter filhos e à sobrecarga de tarefas domésticas.
Embora a Reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro seja ampla e tenha impacto sobre a grande maioria dos brasileiros, algumas categorias continuarão tendo regras diferenciadas, como professores, policiais federais e agentes penitenciários.
Os integrantes das Forças Armadas também terão um sistema diferente, mas ele está sendo tratado em um projeto de lei separado – ou seja, a aprovação dessa PEC não muda nada para eles.