Por seis meses “afastado voluntariamente” da política e dos negócios da Amaggi, maior trading do agronegócio de capital nacional da qual é acionista, o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi afirma que o discurso “agressivo” do governo Jair Bolsonaro na área ambiental tem combustível suficiente para cancelar o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, anunciado em 28 de junho.
Blairo disse ao Valor que a “confusão” que a retórica de Bolsonaro e seu estafe vêm disseminando na comunidade internacional, se não for contida, levarão o agronegócio brasileiro à “estaca zero”, após anos de esforço para imprimir o ambiente como marca dos alimentos vendidos no mercado externo.
E, ainda que não chegue ao ponto de jogar fora uma negociação que durou 20 anos, na leitura de Blairo a insatisfação do bloco europeu com o Brasil neste momento, sobretudo vinda da França, é tão grande que, no mínimo, pode atrasar mais ainda a entrada em vigor do acordo, bem mais do que os dois anos previstos para que seja ratificado pelo Parlamento de todos países membros do bloco.
Para Blairo, que já ganhou o prêmio “Motosserra de Ouro” do Greenpeace em 2005, ainda em seu primeiro mandato como governador de Mato Grosso, o Brasil deve reivindicar soberania sobre seu patrimônio ambiental, mas de forma diplomática, compondo com outros países.
“Conseguimos conciliar discurso de preservação com produção e conseguimos avançar. E o Brasil já tinha avançado, mas é apenas mais um ‘player’ no mercado global.”
Por outro lado, Blairo, que foi eleitor de Bolsonaro e chegou a ser cogitado para permanecer no Ministério da Agricultura no novo governo, mas foi descartado após declarar que era contrário à fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, comemora que a atual administração não aprovou qualquer lei para flexibilizar ou mudar o licenciamento a ou regras para afrouxar a fiscalização ambiental, como indica o discurso do atual presidente. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor – Como o senhor vê a reação negativa no cenário internacional ao discurso do governo Bolsonaro na área ambiental?
Blairo Maggi – Uma verdadeira confusão. O governo não fez nenhuma mudança aqui internamente, não facilitou a vida de ninguém, no entanto estamos pagando um preço muito alto. Acho que teremos problemas sérios. Não tem essa que o mundo precisa do Brasil. Talvez precisem dos agricultores brasileiros em outros países, mas somos apenas um “player” e, pior: substituível. O mundo depende de nós agora, mas daqui a pouco se inverte e ficamos chupando dedo.
Valor – A retórica do governo só desgasta a imagem do Brasil lá fora ou pode subir a régua de exigências para as nossas exportações de commodities agrícolas?
Blairo Maggi – Como exportador que sou, lhe digo: as coisas estão apertando cada vez mais. Há anos o Brasil vinha defendendo preservação com produção, tínhamos avançado bastante, já tínhamos ganhado confiança do mercado, mas com esse discurso [do governo], voltamos à estaca zero. E aqui faço uma analogia: o Brasil tinha subido no muro e passado a perna para descer do outro lado, agora fomos empurrados de volta e para bem longe do muro. Não veja como crítica feroz, mas sim como um alerta.
Valor – Existe risco imediato de importadores, como a União Europeia, retaliarem o Brasil?
Blairo Maggi – Podemos sim ter fechamento de mercado. Temos uma relação muito complicada com a Europa. Para criarem mais mecanismos para dificultar a entrada de carne de frango ou outros produtos do Brasil, é dois tempos. E depois para levantar isso é muito difícil, todo mundo está vendo.
Valor – Acha que esse incômodo dos europeus com o discurso ambiental do governo chega a prejudicar de alguma forma o acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo?
Blairo Maggi – No acordo tem uma cláusula de precaução que permite que a Europa barre importações do Brasil. Essas confusões ambientais poderiam criar uma situação para a UE dizer que o Brasil não estaria cumprindo as regras. E não duvido nada que a gritaria geral que a Europa está fazendo seja para não fazer o acordo. A França não quer o acordo. Talvez isso seja aproveitado para não se chegar ao acordo. Ou pode demorar mais tempo para o Parlamento Europeu ratificar o acordo – três, cinco anos.
Valor – O senhor já ganhou no passado o rótulo de “Motosserra de Ouro” pelo desmatamento em Mato Grosso. Que lições daria ao presidente Bolsonaro?
Blairo Maggi – Fui criticado na época mesmo, mas depois chamei os agricultores, frequentei fóruns mundiais de ambiente e comecei a estabelecer algumas metas, parâmetros para a questão ambiental e nos últimos anos conseguimos [setor de agronegócios] conciliar discurso de preservação com produção. E avançamos. Agora, o Brasil já tinha avançado. O problema é que o “agro” é sempre o mais prejudicado num discurso que não é adequado. E o discurso do governo está distante da realidade.
Valor – Por quê?
Blairo Maggi – Quando estou exportando soja, milho, eles [importadores] querem saber mais do que nunca a origem de certificação do meu produto. Felizmente, no nosso caso, a área de soja e milho em Mato Grosso está muito certinha nos últimos anos e cumprimos todas as exigências, mas elas estão mais rigorosas do que há dois anos, por exemplo. Os importadores, principalmente europeus, vêm visitar mais as lavouras, a produção, e querem saber mais como produzimos. E, se plantamos em área desmatada, eles não compram. Então o discurso só atrapalha.
Valor – E quanto ao Fundo Amazônia, o senhor também defende que ele seja mantido?
Blairo Maggi – O Brasil deve reclamar a soberania sobre o ambiente, mas tem como compor com outros países. Acho que o país não precisa do dinheiro do Fundo Amazônia, não resolve nada, só ficamos em posição de débito. Quase nada chega a quem interessa, quem precisa. Tudo vira viagem, estudos, relatórios, congressos. Vá no interior da Amazônia em qualquer município e pergunte se alguém recebeu algum benefício por abrir mão do “progresso” em nome da preservação. Agora, sou defensor de um fundo mundial para repassar uma saúde e educação de qualidade a esses brasileiros da floresta. Um fundo que pudesse fazer com que o dinheiro chegasse na ponta para quem abre mão do desmatamento. As pessoas que estão na beira do Rio Amazonas, por exemplo, não ganham nada.
Valor – Apesar da reação internacional, a bancada ruralista do Congresso anunciou que em breve a Câmara deve pautar o projeto que dispensa licenciamento ambiental para o agronegócio. Isso não pode dificultar mais ainda para a imagem do setor?
Blairo Maggi – O que eu acho é que o governo está com um discurso agressivo, mas não tomou nenhuma atitude até o momento. Até agora não tivemos nada de concreto, de ruim. Não mudou o licenciamento no país, não afrouxou regra nenhuma de fiscalização. No projeto sobre o licenciamento, e eu conheço tudo que está ali, não tem nada que aumente desmatamento, ele dispensa licenciamento para nova estrada. Não tem uma palavra no texto que prejudique o licenciamento ambiental no país.
Valor – E quanto ao desmatamento, que vem aumentando? O agronegócio não tem responsabilidade?
Blairo Maggi – Mais uma vez o agronegócio brasileiro apanha sem nenhuma mudança ter ocorrido de fato. Não mudamos os processos internamente. O governo não deixa de ter razão em algumas coisas e os dados sobre desmatamentos têm algumas incorreções sim, mas o problema é a forma que ele expõe isso. Na época que fui governador, fiz um embate gigante com a enttão ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela disse que existia um desmatamento gigante em Mato Grosso. Então visitamos todos os pontos de desmatamento apontados pelo governo. Fui ao Palácio do Planalto, reclamei com o Lula [ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva]. Mostramos por satélite que vários desmatamentos alegados na verdade estavam em áreas de rocha, degradadas, fora de propriedade.
Valor – Diante dessa forma errada de se comunicar, o Ministério da Agricultura tem mais responsabilidade de evitar retaliações comerciais?
Blairo Maggi – Fiquei seis meses voluntariamente afastado, não sei o que está acontecendo lá desde que saí de Brasília. Mas o que ouço é que a ministra [Tereza Cristina] está indo muito bem, ela consegue andar no meio desse radicalismo todo.