Bolsonaro precisa do Congresso

Depois de abraçar Rodrigo Maia na eleição para a presidência da Câmara, é bom o governo "já ir se acostumando" à ideia de que também precisará de Renan Calheiros

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A manutenção das eleições secretas para a presidência da Câmara e do Senado, decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, é decisiva para o futuro do governo Bolsonaro.

Sem uma relação eficaz com os líderes do Legislativo, toda proposta do governo poderá emperrar. É, portanto, vital que Bolsonaro tenha na liderança das duas Casas nomes se não completamente afinados a sua agenda, pelo menos pouco resistentes a ela.

O primeiro item da pauta legislativa será inevitavelmente a reforma da Previdência, que o governo pretende apresentar na semana que vem. Se ela naufragar no Congresso, estará plantada a semente de uma relação conflituosa entre Executivo e Legislativo e da paralisia do governo.

Nesse cenário, a presidência de Bolsonaro ficaria reduzida à estridência nas redes sociais e aos acenos aos fieis devotos. Qualquer agenda profunda de mudanças estaria descartada. O conflito com o Congresso também ampliaria o risco de ruptura institucional.

Se, ao contrário, Bolsonaro estabelecer uma relação virtuosa com Câmara e Senado, fará deslanchar seu programa de reformas econômicas. Como as perspectivas de crescimento são boas, ele colherá os frutos nos índices de popularidade e, mesmo mantendo os afagos à claque, gravitará para o centro. Daí a importância da votação para a composição das mesas e para as presidências no Congresso.

Na Câmara, a coalizão governista contará com pelo menos 255 dos 513 deputados, pelas contas do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Em projetos de interesse amplo, como a reforma da Previdência, não será difícil estender tal maioria para os 308 votos necessários à aprovação de emendas constitucionais.

O deputado Rodrigo Maia emergiu como franco favorito à presidência da Casa depois de fechar acordo com o PSL de Bolsonaro. Ele mantém relação antiga com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Sua prioridade seria a pauta econômica. Seu nome ainda desperta repulsa nas alas mais aguerridas do bolsonarismo, pois está identificado com aquilo que chamam de “velha política”.

Conta com o apoio oficial do seu próprio partido, o DEM, e também de PSDB, Podemos, PR, PRB, Solidariedade, PPS e PSD. Para atrair o PSL bolsonarista, recuou das negociações em andamento com o PT. Mesmo que a votação secreta possa prejudicá-lo, dificilmente deixará de ser eleito com um arco de alianças tão amplo.

O resultado trará um nome do PSL para a primeira secretaria e para a presidência da comissão mais importante, a de Constituição e Justiça. Graças ao antes odiado (e agora tolerado ou mesmo ovacionado) Maia, o bolsonarismo terá fincado sua bandeira de modo estável e terá infuência decisiva na Câmara.

No Senado, a situação é mais delicada. Se a maioria de três quintos para aprovação de emendas constitucionais é dada como tangível ou quase certa entre os deputados, a situação com os senadores é mais complexa. De 81, 20 pertencem à oposição. Bastam mais 13 para barrar qualquer PEC apresentada pelo governo.

No miolo dos votos críticos para Bolsonaro, estão 12 senadores do MDB, 9 do PSDB, 7 do PSD e 5 do Podemos. O PSL tem tem apenas quatro cadeiras no Senado. Pelas regras da Casa, isso resultará fatalmente em poderes diluídos diante dos partidos maiores.

É nesse contexto que a decisão de Toffoli se torna decisiva. Ela favorece a candidatura de outra raposa da “velha política” detestada pelo bolsonarismo: o alagoano Renan Calheiros, que ainda nem se declarou candidato oficialmente, mas já emerge como favorito.

Alvo de nove inquéritos no Supremo, aliado do PT nas eleições, opositor das reformas econômicas do governo Michel Temer, Renan é uma espécie de Highlander (outros diriam Freddy Kruger) do Senado. Tem sido essencial para o êxito de qualquer governo desde que emergiu como líder da famigerada “tropa de choque” do governo Collor.

O bolsonarismo vê Renan como risco para sua agenda, como um símbolo do “tomá lá, dá cá” que quer expurgar da política. Mas Renan já se aproximou de Paulo Guedes. “Vamos fazer muitas coisas juntos”, disse depois de encontro no ano passado. Também tem feito várias declarações simpáticas a teses bolsonaristas.

Pela influência que exerce entre os colegas e pelo comando das entranhas do Senado, Renan é crucial para a aprovação da reforma da Previdência. Era contra a proposta do governo Temer. Não se sabe qual seria sua atitude diante da proposta de Bolsonaro.

Tudo parece ser questão do que o governo oferecerá em troca na negociação. Noutras palavras, do “toma lá, dá cá”. Numa votação secreta, estima-se que Renan teria até 51 votos entre os senadores. Depois de abraçar Rodrigo Maia, melhor o governo já ir se acostumando com a realidade do Congresso e entender que também precisará de Renan.

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