Por EMANUEL FILARTIGA
terça-feira, 21 de novembro de 2023, 18h33
Não se usa a terminologia guerra civil no Brasil – já a ouvi em alguns versos do grupo Facção Central. Fala-se em revoltas e insurreições. Devem achar o termo exagerado. Um termo muito violento para um país pacífico. A verdade é que nunca fomos só pacíficos. A violência está na nossa formação histórica e está na gente.
As decapitações que vemos nas guerras das organizações criminosas, guerras estas que atingem todos os estados da federação, já foram aplicadas em praça pública no Brasil. Cabeças ficaram expostas por anos.
Há registros e escritos. Não é conto, nem fábula, mito ou lenda, a violência faz parte do Brasil e do brasileiro. A carne que foi cortada e a mão que chicoteava está em nós. Temos o espírito oscilando entre Deus e o diabo. E o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Hollanda não tem nada a ver com o “bondoso” ou o “de paz”, embora estes existam. Ah! Como existem!
A malvadeza deste mundo é grande em extensão, e não adianta falar que não tem, não adianta mudar “o atirei o pau no gato”, dizer que a vovozinha não foi comida pelo lobo, isso tudo aconteceu e vai acontecer de novo. E não venha com essa de que está tudo numa boa, todos na mais santa paz — não é assim o mundo.
Coisas más e assustadoras acontecem o tempo todo. Nem todo mundo é “bonzinho”. Idosos, adultos, jovens, adolescentes e mesmo crianças podem ser maus e cruéis.
Guimarães disse em Grandes Sertões: “Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato…”
Não, não é pessimismo ou desânimo, é um otimismo lúcido, uma bondade adiante, um preparo para a realidade. Uma vontade de dar habilidade para perceber Deus e diabo.
A bondade a gente encontra em cada esquina, mas a maldade também anda por lá. Em alguns momentos estão juntas, misturadas, e é até difícil de separar.
Apesar disso, respondemos com vida. Em homenagem à vida, lutamos. As enchentes, as pragas, a fome, a crueldade, as guerras não foram ainda capazes de cessarem a batida do nosso coração. De apagar a chama da nossa alma. Que quanto mais ando mais rezo para essa viagem não acabar logo. E adiante, sempre adiante, espero ela, a bondade, achar. E estou preparado para a maldade, e ela que venha armada!
“Hoje eu queria fazer um poema
Com pena dos versos de chumbo que faço
Faria um poema voando tão leve
Um poema de éter
Poema de pássaro”
*Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Mato Grosso