Conversas telefônicas obtidas com exclusividade pelo Fantástico e exibidas em reportagem neste domingo (8) revelam como era o esquema fraudulento de venda de vagas em cursos de medicina e de bolsas do Fies na Universidade Brasil, no campus de Fernandópolis (SP), que foi alvo da operação da Polícia Federal, deflagrada na terça-feira (3).
Durante a operação intitulada como Vagatomia, vinte pessoas foram presas. No sábado (8), a Justiça Federal prorrogou por mais 5 dias a prisão de 11 suspeitos. Dois investigados com mandado de prisão expedido seguem foragidos.
Em Mato Grosso foram expedidos dois mandados, um de prisão e outro de busca e apreensão. Todavia, nenhum deles foi cumprido no dia da operação, já que o alvo não foi encontrado e o endereço indicado no mandado não correspondia ao local que era para ter as buscas cumpridas.
Entre as pessoas presas estão o empresário e reitor da universidade, o engenheiro José Fernando Pinto Costa, de 63 anos, e o filho dele, Stefano Bruno.
Ambos são apontados pela polícia como chefes da organização. Segundo a PF, eles utilizavam o dinheiro obtido nas fraudes para comprar jatinhos, helicópteros e imóveis de luxo. O advogado de defesa da instituição nega a existência do esquema fraudulento.
Em uma ligação interceptada pela Polícia Federal e cedida à equipe do Fantástico é possível ver como era feita a negociação.
Uma mulher pergunta se é garantido que ela consegue transferir a faculdade e um homem responde que trouxe quase 70 pessoas de Cochabamba. “Agora ela estão aqui”, diz o homem.
Em uma segunda escuta telefônica, um homem explica como funcionava o esquema. “Quem quer entrar em medicina e não consegue passar no vestibular o cara vende (..) e cobra R$ 150 mil, R$ 120 mil.”
Em outra conversa obtida pelo Fantástico, uma mulher deixa bem claro como era fácil participar do esquema. “A lista rodou inteira. Até cachorro entrou, ou seja, não precisaria ter comprado.”
De acordo com a Polícia Federal, os integrantes da quadrilha se dividiam em núcleos. A parte empresarial era formada pela família do reitor. Os integrantes do administrativo eram funcionários da Universidade Brasil. Enquanto o comercial era exercido pelas assessorias que negociavam vagas com estudantes e tinham até um núcleo jurídico para ajudar a maquiar o golpe.
Desconfiança
Estudantes que entraram na faculdade após serem aprovados no vestibular começaram a desconfiar das fraudes por causa da quantidade excessiva de alunos que frequentavam a instituição de ensino superior.
“Inicialmente começou com dois, quatro, depois a gente começou a perceber que entravam 100, aí de repente 200 e 400. Nós temos discentes qualificados, único problema é que a quantidade de alunos afeta sim o ensino”, diz um universitário que preferiu não se identificar.
Em dos casos comprovados que houve fraude, um aluno de medicina de Jales não conseguiu uma boa pontuação no vestibular. Na lista, o número dele era 618. A Universidade Brasil tinha somente 205 vagas, mas ele foi aprovado.
A equipe de Fantástico descobriu como o aluno conseguiu pular 400 pessoas que estavam na frente dele. No dia 11 de abril, dois homens que fazem parte da organização criminosa entraram em um consultório médico e saíram com dois cheques, sendo um de R$ 15 mil e outro de R$ de 65 mil. Quem fez o pagamento foi o pai dele. O aluno conseguiu entrar na faculdade.
“Ficou bem claro, não só pela apreensão do cheque em si, no valor de R$ 80 mil, mas pelas tratativas prévias que foram feitas”, afirma Cristiano Pádua, delegado da Polícia Federal.
Por mensagem, o médico José Francisco Queda negou que tenha comprado a vaga para o filho dele, mas não explicou o porque deu dois cheques no valor de R$ 80 mil para integrantes da organização criminosa.
Para o delegado Marcelo Ivo, da Delegacia Regional de Investigação e Combate ao Crime Organizado, a participação das pessoas que compram vagas é essencial, pois sem elas não haveria o esquema fraudulento.
‘Ajudinha’ para estudantes estrangeiros
Além das fraudes nos programas do governo federal, a organização criminosa também realizava a transferências de estudantes que estudavam medicina em faculdades fora do Brasil.
Médicos formados no exterior que querem trabalhar no Brasil precisam passar pelo Revalida, um exame nacional que torna válido o diploma. Contudo, os estudantes vinham do exterior e entravam na Universidade Brasil por meio de um vestibular forjado.
“A partir do momento em que eles conseguiam ser transferidos para uma universidade aqui no Brasil, mediante pagamento, quando eles se formavam já não havia mais a necessidade de fazer o Revalida, de se submeter a esse exame”, diz delegado da PF Cristiano Pádua.
Para burlar o sistema, o aluno cursava medicina, mas no papel, a universidade dizia que ele estava matriculado em outro curso na área de saúde. No semestre seguinte, a transferência para o curso de medicina era realizada.
Nos últimos dez anos, José Fernando Pinto da Costa, dono da Universidade Brasil, vem acumulando acusações de fraudes e processos na Justiça. Quando era reitor da Uniesp, em 2011, ele divulgou o programa “Uniesp Paga”.
No programa, a faculdade se comprometia a pagar o Fies para estudantes de baixa renda. Em troca, o aluno tinha que fazer trabalhos voluntários em ONGS. Muitas pessoas se inscreveram e acabaram movimentando muito dinheiro. O problema é que a conta do Fies não foi paga e a dívida passou a ser dos estudantes.
Segundo a Polícia Federal, as fraudes do Fies e na Universidade Brasil geraram um prejuízo de R$ 2 bilhões aos cofres públicos.
O que diz a Universidade Brasil
O advogado do reitor e da Universidade Brasil nega a existência do esquema fraudulento. “Até o momento, não há nenhum elemento para que o Fernando ou seu filho soubessem do que estava acontecendo. A universidade continua à disposição para identificar, colaborar, indicar os responsáveis e para sanar os problemas”, afirma Pierpaolo Cruz.
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) disse apenas que instaurou processo administrativo para apurar o possível envolvimento de servidores nas fraudes da universidade e que a instituição foi suspensa cautelarmente para novos contratos do Fies.
Sobre o Revalida, o MEC defende que somente as instituições de ensino superior com nota máxima no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) possam revalidar diplomas.
“Virou literalmente uma bagunça. É uma situação muito grave porque no final das contas, quando a população vai ser atendida lá na posta, do outro lado da mesa, pelo jaleco branco, ela não sabe de o médico foi bem formado, que universidade que ele foi, se ele foi revalidado, ou se ele é formado de qualidade aqui no Brasil”, afirma o vice-presidente da Associação Médica Brasileira, Diogo Leite Sampaio.
Operação
As investigações começaram no início do ano após a PF receber informações de que estariam ocorrendo irregularidades no campus de um curso de medicina em Fernandópolis.
De acordo com a PF, vagas para ingresso, transferência e financiamentos Fies para o curso de medicina estariam sendo negociados por até R$ 120 mil por aluno.
O esquema contava com “assessorias educacionais”, que vendiam vagas no curso de medicina, financiamentos Fies e Prouni, além de fraudes em cursos relacionados ao Exame Revalida.
De acordo com a PF, essas assessorias tinham o apoio dos donos e toda a estrutura administrativa da universidade para negociar centenas de vagas para alunos, que aceitaram pagar pelas fraudes em troca de matrícula no curso de medicina.
Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a instauração de um inquérito policial para apurar a responsabilidade de servidores do Ministério da Educação (MEC) suspeitos de terem omitido informações para contribuir com as fraudes cometidas na Universidade Brasil.
Ao todo, 250 policiais federais foram às ruas para cumprir 77 mandados nas cidades de Fernandópolis, São Paulo, São José do Rio Preto (SP), Santos (SP), Presidente Prudente (SP), São Bernardo do Campo (SP), Porto Feliz (SP), Meridiano (SP), Murutinga do Sul (SP), São João das Duas Pontes (SP) e Água Boa (MT).
A Polícia Federal informou que durante a operação alguns investigados tentaram fugir no momento das prisões e outros jogaram celulares de prédios, antes da entrada dos policiais. Os celulares foram recuperados e os foragidos foram localizados e presos.