A gestão do ex-governador Silval Barbosa (sem partido) pagou R$ 5 milhões pela aquisição de 250 mil licenças de uso de um software educacional para ser utilizado nas escolas estaduais de Mato Grosso. O “serviço”, porém, resumiu-se no fornecimento de um pendrive às unidades de ensino cujo conteúdo estava desatualizado, contava com arquivos “inexistentes”, e que utiliza um “emulador” do sistema operacional Windows 7 – emuladores são softwares “pirata”, desenvolvido sem a autorização da detentora dos direitos sobre a marca (neste caso o Windows, da Microsoft).
A fraude foi revelada no pedido de prisão preventiva, busca e apreensão – além de bloqueio de contas e sequestro de bens -, contra 6 pessoas presas na manhã desta terça-feira (22) durante a operação “Quadro Negro”. Investigada pela Delegacia Fazendária (Defaz), o esquema consistia em negócios irregulares com empresas da área de tecnologia que casou um prejuízo de R$ 10,4 milhões na gestão do ex-governador Silval Barbosa.
De acordo com o inquérito policial, a empresa que prestaria o serviço – Avançar Tecnologia em Software -, forneceu o pendrive prometendo entregar “900 títulos de aulas interativas”. Porém, o pendrive continha só 815, boa parte delas sem conteúdo, desatualizados, além de não fazer parte do conteúdo programático da educação em Mato Grosso.
O segundo contrato — nº 040/2014/Cepromat — foi firmado em dezembro de 2014, prevendo gastos de R$ 4,99 milhões para aquisição de 188.400 licenças de uso de softwares educacionais a serem instalados em 157 salas de aulas de 30 escolas de Mato Grosso (educação básica).
A auditoria revelou que, nas inspeções em nove das 30 escolas previstas, nenhum software havia sido instalado.
“Todos os entrevistados, entre diretores de escolas e servidores, foram unânimes em dizer que não receberam a capacitação nos softwares e seus conteúdos educacionais nas quais seriam ministrados nas suas próprias escolas, de acordo com as cláusulas contratuais. Mesmo nas escolas com softwares instalados, os responsáveis das escolas não receberam o treinamento”, aponta a CGE.
Entre esses produtos fraudados merece destaque a história de cidades do interior do Estado de São Paulo, ou mesmo a “Copa do Mundo da África do Sul”, realizada no ano de 2010. “Verificou-se, ainda, a existência de títulos totalmente desatualizados e não condizentes com o plano de ensino para estudantes do Estado de Mato Grosso, como exemplo, o título ‘Copa do Mundo na África do Sul’, o ‘O Município de Cotia – SP’, ‘Pontos Turísticos do Município de Cotia’ e o ‘O Município de Tatui’”, aponta a Defaz.
Também citado a entrega de produtos menor do que previsto em contrato. “Na análise do aplicativo, verificou-se que a empresa teria fornecido apenas 815 títulos de aulas interativas, dos quais, 101 titulos constavam sem nenhum conteúdo, ou seja, estavam em branco, 38 títulos apresentavam uma figura com status indefinidamente “carregando”, ao passo que a auditoria vislumbrou que a empresa Realizar Tecnologia em Software realizou a efetiva entrega de apenas 676 títulos de aulas, em número significativamente menor ao contratado”, revela a investigação.
Além disso, conforme o inquérito, apesar de receber R$ 5 milhões pelo desenvolvimento do software exclusivo, a Delegacia Fazendária informou que logo após inicializar o software é apresentada na tela a logomarca de uma outra empresa de tecnologia – e não a da Avançar. “Logo no início, ao inicializar o programa teria se verificado que em sua tela inicial o programa apresentava a inscrição e logotipo da empresa Embrated – Empresa Brasileira de Tecnologia Educacional. Mormente a contratada e vencedora do Edital tenha sido a empresa Realizar Tecnologia em Software, atualmente denominada Avançar Tecnologia em Software”, diz trecho do inquérito.
Em relação ao uso de um software para emular o sistema operacional Windows 7, os investigadores da Defaz-MT apontaram que o próprio Estado de Mato Grosso pode ser prejudicado com a aquisição uma vez que está utilizando um programa “pirata” nos computadores. “Não bastasse a prestação do serviço de forma parcial, os auditores concluíram que a empresa contratada também o fez de modo irregular, que se utilizou um software emulador do sistema operacional Windows 7 Professional, sem que houvesse no contrato qualquer previsão de fornecimento do sistema operacional, colocando o ‘Estado de Mato Grosso em situação de risco a violação de direitos autorais configurando a prática de pirataria de software’”, adverte a Defaz-MT.
QUADRO NEGRO
A Polícia Judiciária Civil deflagrou na manhã desta terça-feira (22) a operação “Quadro Negro” com o objetivo de apurar desvios ocorridos no antigo Centro de Processamento de Dados do Estado (Cepromat), atual Empresa Mato-grossense de Tecnologia da Informação (MTI).
As ordens judiciais foram decretadas pela juíza Ana Cristina Silva Mendes da 7ª Vara Criminal da Capital. Sofreram mandados de prisão Valdir Agostinho Piran, Weydson Soares Fonteles, Wilson Celso Teixeira, Francisvaldo Pereira de Assunção, Djalma Souza Soares, Edevamilton de Lima Oliveira. Todos eles também tiveram bens bloqueados em até R$ 10.435.714,02.
O esquema investigado na operação “Quadro Negro” consistia na contratação milionária de empresas que não prestavam os serviços estabelecido em contrato. O dinheiro era desviado para o pagamento de dívidas com o “empresário do ramo de factoring”, Valdir Piran.
Em maio de 2018, o ex-governador Silval Barbosa e o ex-secretário da Casa Civil, Pedro Jamil Nadaf, haviam revelado o esquema em depoimento à Controladoria-Geral do Estado (CGE) porque foram convocados a dar informações em um PAD (processo administrativo disciplinar) que apurava a instalação de softwares piratas nos computadores das escolas estaduais em 2014.