Em um despacho no último dia 23, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, desembargou 22 mil hectares, atacou as multas aplicadas pelo órgão contra indígenas e fazendeiros e atraiu para si todos os processos que envolvem cinco terras indígenas pareci e nambiquara no noroeste de Mato Grosso.
Essa área tem sido foco de pressão da bancada ruralista desde o começo do governo Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Os ruralistas e associações indígenas querem a regularização do arrendamento, que eles chamam de “parcerias”, das terras indígenas para não indígenas na região, a fim de produzir soja e milho em larga escala.
O despacho de Bim representa o recuo de todos os atos praticados pela fiscalização do Ibama sobre o assunto na região. A área de fiscalização do órgão ambientalista havia aplicado, por exemplo, em maio de 2018, multas de R$ 2,7 milhões contra produtores rurais e associações indígenas após confirmar, com exames laboratoriais, o plantio de soja e milho transgênicos em quatro terras indígenas.
As sementes foram levadas à região por fazendeiros que fecharam contratos de “parcerias” com os índios. O cultivo e a pesquisa de organismos geneticamente modificados em terras indígenas são proibidos pela lei 11.460, de 2007.
Ao todo, o Ibama aplicou multas de R$ 133,9 milhões contra 17 arrendatários não indígenas e R$ 6,3 milhões contra associações indígenas. O arrendamento é proibido pela Constituição, mas manifestações da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Ministério Público Federal sinalizam para a legalização da prática na região, que ganhou força a partir de 2004.
As cerca de 47 multas aplicadas pelo Ibama, porém, estavam relacionadas apenas aos supostos crimes ambientais, não à questão das “parcerias”, que foge do escopo legal do Ibama. Além do uso dos transgênicos, os fiscais apontaram como irregularidades “fazer funcionar atividade de utilizadora de recursos ambientais e considerada potencialmente poluidora (atividade agrícola), contrariando as normas legais” e “impedir a regeneração natural de vegetação nativa”, ambas previstas no decreto 6514/08.
Sobre o uso dos transgênicos, Bim concordou que a lei “é categórica em proibir tal prática”, porém argumentou que “não ficou claro nas autuações a razão pela qual existe diferença de valor entre índios e não índios, já que se tratava de parceria que contava inclusive com o aval da Funai [Fundação Nacional do Índio]”. Para o presidente do Ibama, a diferença “pode implicar tratamento discriminatório, o que é vedado pela nossa Constituição”.
Bim também reconheceu, em sua decisão, que não se tem “propriamente a regularidade da área”, tendo em vista “a não assinatura” de um acordo, que ainda está em fase preliminar, “nem o julgamento definitivo dos autos de infração apresentados”. Porém, escreveu Bim, “as partes comungam o entendimento de que a minuta apresentada atende a todos, apenas faltando as opiniões do assessoramento jurídico do Ibama e da Funai, ou seja, a regularização está em curso”.
TAC
Sim argumentou que “há a intenção dos indígenas de regularizarem a sua atividade produtiva e a necessidade de manter as lavouras mecanizadas nos moldes atuais até a implantação de projeto a ser elaborado pela Embrapa em parceria com a Funai, consoante o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] já anteriormente celebrado com a Funai, juntamente com o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República em Mato Grosso”.
Sobre o impedimento da regeneração natural das terras indígenas, o Bim argumentou que “terra indígena não é unidade de conservação, conforme parecer da Procuradoria Federal Especializada do Ibama, não havendo que se falar em dever se manter a vegetação intocada”.
Segundo ele, assim não seria possível “caracterizar o impedimento da regeneração natural, o que violaria a autodeterminação dos índios garantida pela Convenção OIT 169 [da Organização Internacional do Trabalho] de trabalharem a sua terra dentro dos limites permitidos pelo Código Florestal”.
A respeito do ato do embargo, Bim afirmou que ele “tem o objetivo de impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada, razão pela qual se permite o levantamento do embargo mediante a comprovação de que as atividades desenvolvidas na área embargada já estão regularizadas”.
No mesmo despacho, Bim avocou (chamou para si) todos os processos envolvendo o assunto. Ele argumentou que a medida vai “garantir atuação uniforme por parte dessa autarquia, uma vez que as considerações gerais aqui delineadas servem com fumus boni juris [expressão em latim que significa aparência de bom direito] para o desembargo imediato, mas não substituem o julgamento a ser efetuado em cada um dos processos por essa Presidência”.
“Considerando-se que o trâmite do processo sancionador resta pendente de análise, mas levando-se em conta o interesse das partes na celebração do acordo e o tempo do exame de sua viabilidade jurídica, a melhor solução que se apresenta no momento é o desembargo imediato das áreas, até para se impedir, em última instância, o prejuízo que as partes querem evitar com o acordo. Quando da assinatura do acordo, a manutenção do desembargo de tais áreas ocorrerá por força do instrumento de resolução pactuado entre as partes, não mais pelo presente ato administrativo”, disse Bim.