O Ministério Público Federal em Mato Grosso recomendou às Forças Armadas no Estado que não promovam ou tomam parte de qualquer manifestação pública, em ambiente militar ou fardado, em comemoração ao Golpe Militar de 1964, que completa 55 anos no próximo dia 31 de março.
A ação é coordenada nacionalmente e conta com a participação de diversas unidades do MPF no País.
O texto recomenda ainda que sejam adotadas as providências para que as medidas também alcancem militares subordinados e que, em caso de identificação de eventuais atos e seus participantes, sejam aplicadas punições disciplinares e comunicação ao MPF para adoção das providências. O prazo de resposta das recomendações é de 24 horas.
Ao todo foram expedidas quatro recomendações às seguintes entidades: 13ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cuiabá (13ª BdaInfMtz), Delegacia Fluvial de Cuiabá (DelCuiaba); Destacamento de Controle do Espaço Aéreo: de Cuiabá (DTCEA-CY) e Chapada dos Guimarães (DTCEA-GI).
A recomendação foi assinada pelas procuradoras Samira Engel, Marianne Cury e Vanessa Zago.
No texto, o MPF ressalta que a Constituição Federal de 1988 restabeleceu a democracia após o período entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985, durante o qual o país foi presidido por governos militares, com supressão de eleições diretas e dos direitos decorrentes do regime democrático, como direitos de reunião, liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
“A homenagem por servidores civis e militares, no exercício de suas funções, ao período histórico no qual houve supressão da democracia e dos direitos de reunião, liberdade de expressão e de imprensa viola a Constituição Federal”.
É reconhecido também que o Estado Brasileiro, por meio da Lei º 12.528/2011, criou a Comissão Nacional da Verdade para apurar graves violações a direitos humanos no período previsto no artigo 8º da ADCT.
E, em sua Recomendação nº 4, a Comissão Nacional da Verdade fez constar a proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao Golpe Militar, em virtude das investigações realizadas comprovado que o regime autoritário que se seguiu foi responsável pela ocorrência de graves violações de direitos humanos.
O documento ressalta ainda que, em 19 de setembro de 2014, por meio do ofício nº 10944/Gabinete, do Ministro de Estado de Defesa, as Forças Armadas admitiram a existência de graves violações aos direitos humanos durante o regime militar e não questionaram as conclusões da Comissão Nacional da Verdade.
A ação é uma resposta às declarações do porta-voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, realizadas no dia 26 em que o presidente Jair Bolsonaro “determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964”.
O MPF considera que a homenagem por servidores civis e militares ao período histórico no qual houve supressão da democracia, liberdade de expressão e liberdade de imprensa viola a Constituição Federal, que consagra a democracia e a soberania popular. A Constituição Federal repudia e considera o crime de tortura inafiançável e imprescritível (art. 5º, incisos III e XLIII).
Diante disso, o MPF enfatizou também que o presidente se submete à Constituição Federal e às leis vigentes, não possuindo o poder discricionário de desconsiderar todos os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 31 de março de 1964 como antidemocrático.
Levando-se em consideração às declarações do porta-voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, e das notícias amplamente divulgadas nos meios de comunicação nacional, o MPF em Mato Grosso instaurou uma Notícia de Fato para que seja apurada a possível alusão positiva a regime autoritário e incompatibilidade com o estado democrático de direito, alusivos as comemorações do dia 31 de março de 1964.
O MPF enfatizou que, apesar de algumas controvérsias existentes, o próprio Estado Brasileiro e Cortes Internacionais já reconheceram que o movimento militar de 1964 foi um golpe que depôs um presidente legítimo e instaurou um regime de exceção que implicou a erradicação de liberdades democráticas essenciais, centenas de mortes, milhares de prisões políticas, tortura, além de outras graves violações de direitos humanos.
Também considerou que qualquer comemoração alusiva à data realizada com recursos públicos (materiais ou humanos) é possivelmente incompatível com o ordenamento jurídico e pode implicar, inclusive, a prática de ato de improbidade administrativa por seus responsáveis.