Pantanal tem um fiscal a cada 204 km² para combater a caça, a pesca ilegal e outros crimes ambientais

Pantanal tem menos de mil servidores estaduais e federais para monitorar área quase do tamanho do Uruguai. Recursos escassos dificultam o flagrante, o que por sua vez reduz as chances de condenação em processos penais.

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G1.com

Um fiscal a cada 204 km² tem a missão de preservar o Pantanal, bioma que ocupa parte do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul e é um dos mais conservados do mundo. O G1 Natureza percorreu parte dos dois estados e encontrou casos de abate ilegal de jacaré, pesca em local proibido e uso de apetrechos vetados. Em todos os casos, ou não havia fiscalização no momento, ou ela chegou depois que o crime aconteceu (assista no vídeo acima).

Um levantamento feito pelo G1 junto às autoridades locais mostra que 737 policiais e servidores formam um contingente pequeno para vigiar os 150.100 km² da área que é lar de ariranhas, onças-pintadas, araras, tuiuiús, jacarés e outras centenas de espécies.

Para se ter uma ideia, o Sistema de Parques Nacionais dos Estados Unidos tem à disposição mais de 20 mil servidores para 340 mil km² de unidades de conservação, o que representa em média um servidor a cada 17 km².

Fiscalizar e punir os crimes de caça e pesca ilegal estão entre as maiores dificuldades encontradas pelas autoridades, principalmente se não há flagrante. Um caso emblemático de um safári de caça a onças-pintadas em 2011, por exemplo, ainda se arrasta na Justiça — e a maior parte das acusações já prescreveu, segundo decisão judicial publicada na semana passada.

Além disso, as áreas que conservam a maior biodiversidade e servem de santuário para os peixes durante sua fase de crescimento são também as de acesso mais remoto e custoso para as autoridades — mas turistas hospedados em barcos-hotéis costumam passar dias por ali, e cruzar a fronteira entre o permitido e o irregular impunemente é uma questão de minutos.

Durante dez dias em viagem ao Pantanal, o G1 ouviu ainda especialistas e comunidade, e destaca abaixo, na abertura do sexto episódio do Desafio Natureza:

  • Com chances pequenas de condenar infratores na esfera penal, as autoridades buscam nas esferas administrativa e cível atingir os infratores no bolso, com multas e compensações financeiras revertidas em equipamentos de fiscalização;
  • Apesar disso, as regras para a pesca têm se tornado mais rígidas: neste ano, o debate sobre a implementação do “pesque e solte” tomou conta dos diversos setores da pesca, depois que o governo sul-mato-grossense anunciou que vai implementar a cota zero para a pesca esportiva;
  • No caso das onças, a tendência de expansão do turismo de observação, aliado ao trabalho de pesquisadores, tem gerado emprego e renda, além de ter valorizado a manutenção dos animais vivos;
  • Já a caça aos jacarés, que chegou a custar a vida de milhões de espécies na década de 1980, se tornou um problema menor, mas foi substituída pela criação de animais para uso da pele e da carne;
  • Atualmente, porém, novas iniciativas no Congresso Nacional podem liberar a caça de animais silvestres após décadas de proibição, uma medida, que, além de ameaças externas, como o desmatamento no Cerrado, são vistas com preocupação pelos ativistas e moradores locais.
  • Fiscais por km²

    O levantamento feito pelo G1 usou informações da Polícia Militar Ambiental (PMA), do Instituto Chico Mendes (ICMBio), de fontes internas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), da equipe do Juizado Volante Ambiental (Juvam), órgão da Justiça de Mato Grosso, e da Superintendência de Fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema).

    Ele leva em conta o número máximo informado por diversos órgãos disponíveis nos dois estados para a realização do trabalho, não apenas no território do bioma Pantanal:

    • Polícia Militar Ambiental-MT: 190 policiais em todo o estado
    • Política Militar Ambiental-MS: 360 policiais em todo o estado
    • Ibama-MT: 56 servidores com poder de fiscal
    • Ibama-MS: 16 servidores com poder de fiscal
    • Estação Ecológica de Taiamã: 4 servidores com poder de fiscal
    • Parque Nacional do Pantanal Matogrossense: 3 servidores (sendo 2 com poder de fiscal)
    • Juvam: 2 policiais ambientais, 2 oficiais de justiça e 2 servidores
    • Sema-MT: 108 servidores com poder de fiscal

    Levando em conta apenas os servidores lotados no território do Pantanal, esse número é pelo menos três vezes menor. Por isso, as operações de fiscalização planejadas com antecedência, como as que ocorreram neste feriado de Corpus Christi, são realizadas usando o reforço de autoridades de diversas localidades — o Ibama, por exemplo, conta com o apoio de servidores de outros estados para suas operações.

    A Polícia Militar Ambiental-MS (PMA-MS) afirma que, apesar de ter fiscalizado diversas embarcações de pescadores no período, só autuou um por pesca irregular, e apreendeu 25 quilos de peixes.

    Pesca é problema maior do que caça

    A estimativa é que quase 100 mil pescadores cruzem os rios do bioma durante os oitos meses do ano em que a prática é liberada. Eles são divididos, sobretudo, entre amadores e profissionais.

    A experiência dos policiais ambientais mostra que, no caso dos pescadores profissionais, a infração mais frequente é o uso de redes e outros apetrechos proibidos. Já quando se trata do turismo de pesca, o problema principal é o abate de peixes fora dos tamanhos permitidos.

    O Pantanal é o principal destino da pesca esportiva no Brasil. Em 2018, mais de 80 mil carteiras de pesca para turistas amadores foram emitidas nos dois estados. No próximo mês, por exemplo, a cidade de Cáceres (MS) organiza um festival internacional de pesca e já tem 5 mil participantes inscritos — desde 1992, ele detém o recorde de maior do mundo.

    Além disso, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm atualmente 14.413 pescadores profissionais com cadastro ativo.

    Número de oficiais oscila

    Todo esse contingente de pescadores, além dos moradores locais, exige das autoridades inteligência para usar os recursos humanos e materiais de fiscalização. No caso da Polícia Ambiental, as duas companhias que respondem pela maior fatia do Pantanal são a de Cáceres e a de Corumbá (MS). A corporação tinha em maio, respectivamente nas duas cidades, 21 e 14 policiais.

    Silva Junior explica que, só em 2017, a companhia perdeu um total de 12 policiais. “No ano de 2018 nós perdemos mais três. Com esse receio de reforma da Previdência, muitos que ainda não tinham o tempo integral, passaram para a reserva remunerada.”

    Segundo o capitão, o número tem sido reposto, mas ainda não retomou os índices de 2016.

    O Juizado Volante Ambiental (Juvam) da Justiça estadual de Cáceres também apoia as ações de fiscalização em Mato Grosso. Segundo a juíza Hanae Yamamura de Oliveira, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, ao qual o Juvam está vinculado, a previsão era que o grupo contasse com três policiais ambientais, e não somente os dois atuais.

    O soldado Eder Prado é um deles. Segundo ele, a dupla precisa sempre trabalhar junta em qualquer operação, já que a norma da PM exige que um policial sempre deva atuar ao lado de um parceiro. Por isso, eles passam os dias úteis no Fórum de Cáceres, no horário de funcionamento local, mas também precisam estar a postos para realizar operações fora desse horário caso seja necessário.

    “Nós temos uma lancha, uma caminhonete se precisar no serviço terrestre. Drone não temos, já fizemos o pedido, mas não chegou ainda”, afirmou ele sobre as condições de trabalho.

    “Se a gente precisar passar uns dias a mais dentro do mato, tem um gerador. Uma condição mínima para a gente. Poderia ter uma melhor, mas a gente fica até meio constrangido de pedir mais aparelhos, sendo que o efetivo é tão pouco que a gente não vai conseguir utilizar tudo.”

    O drone, segundo o capitão Diego Ferreira, da 4ª Companhia da PMA-MS em Corumbá, é útil porque facilita a busca por infratores sem que eles se deem conta. Mas a tecnologia também desfavorece o trabalho de fiscalização, já que os pescadores se comunicam por rádio ou telefone para avisar quando a PMA está no rio.

    Ferreira ressalta, porém, que mais ações de fiscalização passam a inibir os infratores, que evitam correr o risco de serem pegos e terem barcos e equipamentos apreendidos.

    Os crimes ambientais também são combatidos na esfera administrativa. Na estadual, o governo de Mato Grosso do Sul afirma que atua em parceria com a PMA, principalmente investindo recursos financeiros nas operações.

    O governo de Mato Grosso diz contar com uma superintendência de 108 servidores, que também fazem operações de fiscalização. Na esfera federal, o Ibama e o ICMBio também combatem os crimes ambientais.

    Santuário ameaçado

    No coração do Pantanal, o território de mais difícil acesso pertence em grande parte a duas unidades de conservação do ICMBio. Nelas e em seu entorno, as regras são ainda mais rígidas, e qualquer pesca está proibida em qualquer período do ano — além disso, a multa da pesca ilegal ali é o dobro das demais áreas dos rios pantaneiros.

    Mas o número de fiscais é ainda menor: na Estação Ecológica de Taiamã, que tem 11,5 mil hectares (ou 115 km²), são quatro os servidores que atuam na fiscalização e em todas as demais funções administrativas. Já o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, que sozinho responde por 135 mil hectares (cerca de 1.350 km²), tem apenas três servidores atualmente, sendo dois fixos e um cedido — que não tem poder de fiscal.

    Em ambos os casos, o ICMBio mantém seus servidores na cidade, e dois funcionários terceirizados em tempo integral nas sedes das unidades. A viagem até elas pode levar entre três e mais de dez horas.

    Daniel Kantek, chefe da Estação de Taiamã, lembra que os fiscais do ICMBio não têm porte de armas e, por isso, correm mais risco de retaliação por parte de infratores. Ambos os chefes afirmaram que, em todas as operações de fiscalização, costumam encontrar pessoas cometendo crimes ambientais, principalmente a pesca em local proibido.

    Em Taiamã, foram aplicadas sete multas em 2018, somando R$ 5.600. Neste ano, já foram três multas, no valor de R$ 6.000.

    A importância do flagrante

    Foram os servidores de Taiamã que encontraram um jacaré morto no Rio Paraguai em 16 de maio deste ano. A reportagem também estava no local, a bordo de uma expedição do Projeto Bichos do Pantanal, do Instituto Sustentar.

    Segundo as autoridades, o motivo mais comum da caça ao jacaré no Pantanal é para cortar a cauda, única parte do jacaré silvestre boa para consumo humano.

    Mesmo que atualmente a venda de carne de jacarés de criadouros seja regulamentada, os moradores locais explicaram, sob condição de anonimato, que a caça ao animal costuma ser motivada por turistas de pesca, que subornam pilotos de barco para abaterem o animal e cortarem a cauda para degustação.

    Dificilmente a pessoa que matou o jacaré encontrado pela reportagem será identificada. Por causa de sua natureza, os crimes de caça e pesca são difíceis de punir caso não haja flagrante. No caso dos peixes, é fácil consumir ou cortar e cozinhar os espécimes. Já os animais de grande porte costumam ser abandonados sem que um suspeito seja localizado. Crimes ambientais como o desmatamento e a poluição são mais difíceis de esconder da fiscalização.

    Duas notícias recentes ilustram esse obstáculo. Em abril, a Estação Ecológica de Taiamã recebeu uma denúncia de que uma onça havia sido vista morta, boiando no Rio Bracinho, um afluente do Paraguai em Mato Grosso.

    “Quando a gente foi lá, a gente não achou [a carcaça da onça]. Mas é uma informação, ele não tinha por que mentir pra gente”, explicou Kantek. A equipe de fiscais, então, fez uma apuração nos acampamentos de pescadores já conhecidos na região e apreendeu uma arma de fogo, que foi encaminhada à Polícia Civil.

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