Piripkura: MPF pede que Justiça Federal determine substituição de membros do grupo técnico criado pela Funai

Nomeados não teriam aptidão técnica, experiência na demarcação de terra indígena de isolados, além de conflitos de interesse existentes

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O Ministério Público Federal (MPF) protocolou pedido de tutela de urgência na Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Juína (MT) para que seja determinado à Fundação Nacional do Índio (Funai) que altere a Portaria nº 345/2021, substituindo os servidores indicados para compor o grupo técnico que realizará a identificação da Terra Indígena Piripkura (MT).

A publicação da portaria pela Funai ocorreu em cumprimento de decisão judicial, publicada em maio deste ano, na qual a Justiça Federal determinou, a pedido do MPF, que a fundação constituísse um grupo técnico para proceder à identificação da TI Piripkura.

Porém, a constatação da inaptidão técnica dos servidores que compuseram o grupo, além da identificação de conflito de interesses com a demarcação de terras indígenas e a falta de experiência no trabalho com indígenas em isolamento voluntário, foram apontados por entidades indígenas, indigenistas e acadêmicas ao publicarem uma carta de repúdio, na qual apresentaram as razões que indicam a suspeição dos nomeados para a realização do trabalho.

A partir da publicação da nota, o MPF realizou uma pesquisa sobre cada um dos componentes do grupo de técnico instituído pela Funai e confirmou as informações relativas à suspeição dos servidores para desempenharem a função.

Resultado da Pesquisa – Conforme a pesquisa realizada pelo MPF e informada no pedido realizado à Justiça Federal para alteração da portaria pela Funai, um dos integrantes do grupo, Joany Marcelo Arantes, por exemplo, antes de ser servidor da Funai, teve vínculo com a Câmara dos Deputados e com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso.

“Em relação ao primeiro vínculo, não se pode ignorar que Joany foi assessor parlamentar do falecido deputado federal Homero Pereira que, além de ter presidido a Frente Parlamentar Agropecuária, foi o autor do Projeto de Lei n. 490/2007, que, originalmente, transfere a demarcação de Terras Indígenas da UNIÃO para o Congresso Nacional, deixando de ser um ato técnico para se tornar um ato político (por meio de lei), e, agora, reúne, em seus 13 apensos, todo um arcabouço de retrocessos na política indigenista do Brasil”, explica o procurador da República e titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, Ricardo Pael Ardenghi.

Pael continua e ressalta que, devido ao vínculo com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso, Joany desenvolveu relação com integrantes do setor agropecuário, figurando atualmente como procurador de diversos proprietários rurais do estado.

Além dos fatos citados acima, o procurador salienta que, em relação à formação de Joany Marcelo e, consequentemente à sua inaptidão técnica para a atividade a ser desenvolvida, a nomeação deste servidor para coordenar outros grupos técnicos de demarcação de terras indígenas acabou por gerar, em 2019, a expedição da Recomendação nº 01/2019 da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF) ao presidente da Fundação Nacional do Índio. O documento recomendava que o órgão indigenista não nomeasse ou designasse para a coordenação de grupos técnicos, servidor ou colaborador que não fosse antropólogo de qualificação reconhecida, especialmente que não possua formação em curso superior de Antropologia ou Ciências Sociais ou em curso de pós-graduação stricto sensu em Antropologia. Também não deveriam ocupar a função servidor ou colaborador que tenha trabalhado, de forma remunerada ou não, para partes contrárias aos interesses fundiários indígenas, principalmente para fazendeiros e empresas que ocupam áreas reivindicadas por povos indígenas.

A designação de um antropólogo qualificado para a coordenação de grupo técnico que tratará de demarcação de territórios indígenas está prevista no artigo 2 do Decreto nº 1775/96. Ao nomear novamente Joany para coordenar um grupo de trabalho que tem como objetivo a demarcação de uma terra indígena, a Funai desrespeita a recomendação feita anteriormente e, principalmente, o que está previsto em decreto.

Outros integrantes – No caso de Evandro Marcos Biesdorf, verificou-se que o servidor está à frente da Coordenação Geral de Geoprocessamento da Funai, e que trabalhou na elaboração e implementação da Instrução Normativa nº 9 da Funai, suspensa judicialmente em Mato Grosso e outros nove estados por violar o caráter originário dos direitos territoriais indígenas, contrariar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), a Constituição Federal e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Com relação ao servidor André Luiz Welter, este tem o mesmo vínculo com o texto da Instrução Normativa nº 9 da Funai e o consequente conflito de interesses no que diz respeito à demarcação de terras indígenas. Além disso, o vínculo anterior de Welter foi no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como chefe de Escritório da Coordenação Extraordinária de Regularização Fundiária na Amazônia Legal em Mato Grosso, dentro do Programa Terra Legal. O programa já foi alvo de investigação tanto pelo Tribunal de Contas da União (TCU) quanto pelo MPF. “Os currículos dos três servidores nomeados os qualificam, como visto, para a defesa dos interesses de fazendeiros, não de indígenas, muito menos de indígenas em isolamento voluntário”, afirma o procurador no pedido.

Tirando o corpo fora – Dentro do mesmo processo que trata da demarcação da Terra Indígena Piripkura, a Justiça Federal designou uma audiência de conciliação para o dia 7 de julho, quarta-feira, às 13h30. Porém, a União atribuiu apenas e exclusivamente à Funai as responsabilidades sobre a demarcação da TI Piripkura, omitindo-se das obrigações do governo federal na fase declaratória, da qual a atribuição é do ministro da Justiça e Segurança Pública, assim como na fase homologatória, cuja atribuição é do presidente da República. Assim, a União não se fará presente na audiência, reduzindo demasiadamente o alcance de uma eventual conciliação, já que não alcançará todas as fases do processo de demarcação.

Pedidos – Com base nas informações levantadas sobre os componentes do Grupo Técnico de Trabalho, que os coloca sob suspeição, além do pedido de alteração da portaria de nomeação, substituindo os servidores indicados por antropólogos “de qualificação reconhecida”, conforme exigido no artigo 2º do Decreto nº 1775/1996, sem conflito de interesses com a demarcação de terras indígenas e com experiência no trabalho com indígenas em isolamento voluntário, o MPF também solicita a prorrogação dos efeitos da Portaria nº 1201, de 18 de setembro de 2018, até o julgamento definitivo do processo.

A referida portaria, publicada em setembro de 2018, prorrogou por três anos a restrição de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas ao quadro da Funai, nos 242 mil hectares da Terra Indígena Piripkura, localizada nos municípios de Colniza e Rondolândia, em Mato Grosso, com o objetivo de assegurar a proteção aos índios isolados da etnia. A validade da portaria finda em setembro deste ano, e o MPF quer garantir que ela se mantenha válida até que o processo da regularização do território tradicional indígena seja concluído, a fim de evitar a invasão da área por não-índios e o desmatamento ilegal.

No caso da portaria do grupo de trabalho, se aceito o pedido, a alteração deverá ser realizada no prazo de 30 dias pela Funai, sob pena de multa diária no valor mínimo de R$ 100 mil.

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