Nascido em Dourados, em Mato Grosso do Sul, o ex-secretário de Saúde de Cuiabá, Célio Rodrigues da Silva, preso pela Polícia Federal na semana passada, era um completo desconhecido em Mato Grosso quando ingressou no 9º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército Brasileiro, com sede em Cuiabá. Lá conheceu Lielson Ventura da Silva, de quem se tornou amigo. Lielson é irmão de Liandro Ventura da Silva, apontado pela PF como braço direito do ex-secretário e que está foragido.
Com a ajuda de Lielson, Célio passou a conhecer a cidade, fazer contatos, ingressar em espaços que, na sua cidade natal, jamais imaginaria entrar. Não demorou até que Célio se notabilizasse entre os seus superiores por conta de um talento peculiar: a habilidade em produzir processos licitatórios para atender as demandas dos militares, sobretudo na área da construção civil. Rapidez, agilidade, conhecimento aprimorado da lei de licitações levaram Célio a se tornar um expert no assunto entre os homens de farda.
No Exército, todos conheciam ele por conta da facilidade que ele tinha para trabalhar nesses processos de compra, era talvez um dos que mais entendia sobre os procedimentos, conta uma fonte ouvida pela reportagem, sob condição de anonimato.
Por volta de 2010, Célio deixou a caserna e começou a se dedicar à atividade empresarial. Montou pequenos negócios de aluguel de carros e passou a trabalhar do outro lado do balcão das licitações. Discreto, de poucas palavras, Célio foi aos poucos ganhando contratos. Suas empresas foram alavancadas com contratos importantes na sede do Ministério da Agricultura em Mato Grosso e também na sede do Ministério da Saúde no estado onde aprenderia muito do conhecimento sobre licitação na saúde que mais tarde aplicou na Secretaria Municipal de Saúde.
Já nesta época, Célio passou a ser vigiado e fichado pela Polícia Federal. Ele foi investigado no Inquérito Policial nº 326/2012-SR/PF/MT, muito antes de se tornar secretário municipal de Saúde. É o que revela a decisão que decretou a prisão do ex-secretário, assinada no dia 21 de outubro pelo juiz Jeferson Schneider, da 5ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso. A decisão deu origem à operação Cupincha, 2ª fase da operação Curare.
Mais de uma identidade
Célio Rodrigues Sampaio foi tão eficiente em burlar o sistema jurídico que nas duas decisões judicias em que seu nome é citado por conta da operação Curare aparecem dois CPFs diferentes. Na primeira decisão, o juiz Jeferson Schneider decretou busca e apreensão nos endereços de Célio e o CPF que aparece é o 034.072.731-42.
A decisão de outubro, porém, a Polícia Federal encontra outro número, o CPF é o 949.713.401-06. Apenas nesta decisão é que a PF descobriu um caso de falsidade ideológica. Ao descobrir a existência da empresa C.R. Sampaio Eireli, no nome de Célio Rodrigues Sampaio, a PF verifica um terceiro CPF, o 705.873.264-76. Neste ponto da investigação, a autoridade policial suspeita que Célio Rodrigues da Silva e Célio Rodrigues Sampaio sejam a mesma pessoa, diz trecho da decisão.
O terceiro CPF de Célio, utilizado pela C.R. Sampaio Eireli, era desconhecido dos investigadores na primeira fase da operação. Consta como sócio de Célio na empresa o nome de Liandro Ventura da Silva, irmão de Lielson. Liandro é apontado pela PF como braço direito de Célio e um dos principais operadores do esquema de desvio de dinheiro na secretaria.
Cervejaria Cuyabana
Liandro é legalmente o responsável por comprar a Cervejaria Cuyabana juntamente com Joany Costa de Deus, ex-amante e atual esposa do ex-secretário. A Polícia Federal ainda tenta descobrir qual foi o valor exato da venda da cervejaria, que teria sido utilizada para lavar dinheiro da corrupção.
Investigação feita pelo Jornal A Gazeta, com base em documentos da Junta Comercial de Mato Grosso (Jucemat), mostra que o ex-proprietário da empresa, Ricardo Sguarezi, alegou ter vendido a cervejaria por R$ 100 mil para Joany e Liandro.
Após a publicação da reportagem, no entanto, a defesa de Sguarezi apresentou trecho do depoimento prestado à PF na qual o empresário afirma ter recebido, na verdade, R$ 500 mil pela cervejaria.
Sguarezi foi chamado porque a quebra do sigilo bancário dos investigados demonstrou que foram feitas transferências à conta do empresário por meio de contas das empresas de Liandro e do empresário Paulo Jamur, que venceu licitações na Secretaria Municipal de Saúde. A PF acredita que os verdadeiros proprietários da cervejaria são Célio e Paulo Jamur, que utilizaram sócios para adquirir a empresa.
Em seu depoimento, Sguarezi conta que publicou em um grupo de mensagens com empresários do ramo cervejeiro que por conta da crise econômica venderia sua empresa. Em seguida, foi procurado por Márcio Sodré Gonçalves, que se disse representante do grupo de Célio Rodrigues, um possível interessado em comprar a cervejaria. Conseguiu, por intermédio de Márcio, fechar negócio com Joany e Liandro.
A reportagem questionou a defesa de Sguarezi sobre a diferença entre o valor de R$ 100 mil declarado à Jucemat e o valor de R$ 500 mil detectado pela PF nas transferências bancárias. De acordo com a defesa, a divergência se dá por equipamentos e outros insumos que entraram na venda da cervejaria e que não estavam contabilizados na cota de capital.
A questão das cotas da divergência do valor da junta com o valor vendido porque tem equipamentos, insumos etc. Quando se vende a empresa não vende só as cotas, afirmou a defesa do empresário, que não é investigado no caso e foi procurado pela PF apenas como testemunha.
Outro lado
A reportagem tentou, mas não conseguiu contato com Joany da Costa, a defesa de Célio Rodrigues, Lielson e Liandro Ventura. Em nota publicada na internet, a Cervejaria Cuyabana informou que não tem qualquer ligação com o poder público.